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Segurança: clima, guerra e violência urbana

Conselho de Segurança da ONU se reúne após ataques terroristas do Hamas (Fonte: Haaretz)
Conselho de Segurança da ONU se reúne após ataques terroristas do Hamas (Fonte: Haaretz)

A razão de ser do estado como estrutura institucional máxima da sociedade moderna e organização humana legítima dona do monopólio da violência é a garantia de vida (Hobbes). A razão pela qual concordamos com leis que nos regem e são amparadas por sistema de justiça criminal e aparato de repressão em troca do exercício da liberdade sem limites vem do contrato social em que nossa vida é garantida pelo estado. Primordialmente, por isso acordamos viver dentro das regras da sociedade mesmo que parte delas não sejam da nossa concordância individual. Ao bom funcionamento dessa relação damos o nome de segurança, em termos mais abstratos, paz, e dentro da visão de sistemas de viabilidade de vida.   

Eventos recentes mostram a crise mundial de segurança que vivemos do contexto global ao local, em alguns países mais do que em outros, entretanto com riscos crescentes para todos. A guerra da Ucrânia após a invasão militar da Rússia ressuscitou os temores de espraiamento de conflitos e os pesadelos nucleares da Guerra Fria. O recente ataque terrorista do Hamas a Israel, uma ação covarde e desumana, se abraça ao ódio fanático e inescrupulosamente pragmático da ultra-direita israelense que o corrupto primeiro-ministro Netanyahu colocou no poder para que ele se mantivesse ali e que vem massacrando a população palestina há anos de forma cada vez mais intensa. 

Essencial observar que, incongruentemente, o próprio Netanyahu vinha fortalecendo o Hamas ao excluir gradativamente o Fatah, organização popular palestina que reconhece o estado de Israel, ao detrimento da citada organização terrorista, que não reconhece, de negociações com seu governo. É. O timing não poderia ser pior: Netanyahu estava prestes a ser impedido e defenestrado pelos progressistas israelenses que defendiam de forma cada vez mais viável a criação do estado palestino como aponta o jornal Haaretz. Mais um dos conflitos nevrálgicos da humanidade ressurge onde os odiosos que representam cada vez menos seus povos destroem a viabilidade de vida, a segurança dos seus para se manter no poder a qualquer custo. 

Na esfera local vivemos a barbárie no Brasil, sim, amplificada por anos de um presidente terrorista que surgiu das entranhas da corrupção militar da ditadura e policial na Zona Oeste do Rio, não por acaso onde surgiram as milícias. Entretanto, é importante afirmar que como base desse metastaseado contexto autocrático e criminoso pela nação está o histórico e nunca resolvido problema de segurança no Brasil. Passamos décadas como o país com o maior número de homicídios absolutos no mundo, entre 58-48 mil (NEV USP), até a guerra da Síria. 

Nossa maior polícia, a PM, é uma polícia criada para reprimir a população e subjugada por lei não à justiça civil mas a militar, um fato que revela como está ainda terrivelmente incompleta nossa democracia. Para se ter ideia, só o Brasil e Guiné-Bissau, ditadura do leste da África de mais de 30 anos, possuem uma polícia militar nos moldes da nossa. Só começaremos a resolver esse problema quando unirmos a PM à Polícia Civil e criarmos uma polícia verdadeiramente cidadã. A consequência da nossa realidade policial junto a rampante desigualdade em que vivemos é que não tratamos nossos cidadãos com dignidade e direitos mínimos. Como no mito de Jasão e Medéia, a violência se espalha como grito dos humilhados à falência social. Também por isso não nos desenvolvemos, pois não existe prosperidade sem segurança.

O Brasil precisa abrir o olho e entender que se esse problema, o do crime organizado que se torna dono de territórios seja ele milícia ou tráfico, não for resolvido no Rio de Janeiro ele irá se espalhar por todo o país como já está acontecendo. A Cidade Maravilhosa tem hoje mais da metade de sua população e território controlados pelo poder paralelo das milícias, tráfico e narco milícias, vivemos num contexto de estado semi-falido. Neste ambiente de guerra civil, que lembra a Colômbia pré-acordo de paz, as milícias se destacam como maior risco a nossa existência como país e segurança pois são, principalmente, compostas de ex-policiais, agentes carcerários e em alguns casos militares que estão infiltrados no aparato de justiça criminal, polícia e política. 

Não é à toa que um dos casos mais emblemáticos e chocantes da história da violência brasileira desceu o morro para o asfalto na Zona Oeste do Rio na semana passada. Quatro médicos, colegas de USP e turistas de São Paulo e Bahia, confraternizavam num quiosque na beira da praia da Barra da Tijuca em frente ao hotel cinco estrelas onde ocorria congresso de ortopedia do qual participavam, quando foram alvejados por uma quantidade de tiros característicos de uma chacina. 

Profissionais e cidadãos respeitados, de outros territórios, num lugar rico e pretensamente “seguro” foram executados por engano, ao que tudo indica pelas investigações, por milicianos envolvidos com o tráfico. O que isso quer dizer é que se a sociedade e os governos continuarem indiferentes para as balas assassinas de crianças inocentes nas favelas e periferias, frequentemente disparadas pela polícia numa verdadeira guerra urbana contra nossa população mais vulnerável, e a tomada territorial do nosso país pelo crime organizado, da Zona Oeste do Rio, às favelas e Amazônia, elas vão descer o morro e encontrar inclusive seus mais afluentes membros que estiverem sendo felizes com seus amigos num quiosque bacana num momento de confraternização. O fracasso público, privado e social da insegurança e desigualdade vai crescendo e assim destruindo a viabilidade de vida do nosso povo, o que destrói o tecido social que nos une como nação e civilização.

Assim como as guerras que infelizmente ressurgem na Ucrânia e Israel e os assassinatos de crianças e médicos inocentes, a crise climática também é uma crise de segurança, contra a sua paz e viabilidade de vida. A terrível seca que assola a Amazônia, as intensas chuvas que submergem o Sul do país, o domo de calor que alerta para um verão inviável nas cidades de todo Brasil são um lembrete do que há por vir. Se nada for feito e não prepararmos nossa resiliência humana, ambiental, espacial e econômica, teremos a maior crise de segurança da história do Brasil e da humanidade, em breve. 

Por exemplo, é importante ressaltar que a correlação entre crimes violentos e aumento de calor, é estatisticamente significante. A cada 5C de aumento na média diária de temperatura  foi observado um crescimento de 8,8% de homicídios em estudo contendo várias cidades americanas como Chicago, Detroit, NYC e Los Angeles (Xu; et Abramson). Mesmo que fizéssemos tudo certo a partir de hoje e com um golpe de mágica fossemos capazes de realizar a transição energética completa para energia limpa, ainda teríamos de aguentar pelo menos mais 50-70 anos de imensos eventos climáticos extremos. 

O que isso significa frente a superação do nosso aumento da temperatura global em relação à era pré-industrial em 1,65C já em 2023 comparados ao limite existencial do Acordo de Paris de 1,5C até 2030 é a escalada de tensões e instabilidade global devido a migrações em massa de refugiados climáticos que já somam hoje mais de 100 mi de pessoas (NIH – National Institute of Health e UNHCR). Seja pela falta ou excesso de água, níveis de calor inviáveis, a destruição das cidades e sua infraestrutura, este é um problema que governos, empresas e ambientalistas têm de encarar já pois o custo humano, ambiental e econômico será exponencialmente maior se nossas cidades e estruturas não estiverem preparadas, ou seja resilientes, para aguentar o colossal tranco que vamos levar de maneira cada vez mais intensa e frequente.  

Localmente, veremos cada vez mais a falência estatal e a ascensão de organizações do poder paralelo, criminosas, exercendo controle sobre territórios e recursos como água e energia nos níveis municipais e estaduais, podendo inclusive ameaçar a soberania dos estados nações menos competentes. O crime é muito ágil em se adaptar e buscar o controle do que não é protegido e demandado. 

Como diria qualquer bom político, não existe vácuo de poder. E nossos políticos precisam entender que o poder pode ser até escolhido de cima para baixo mas que ele é decidido na sua viabilidade em qualquer sistema de baixo para cima, principalmente onde o estado falha em estar. O Rio já sofre essa chaga hoje por motivos históricos desde a ilógica retirada da capital para Brasília. Entretanto, a tendência é que por aqui piore e que o problema se espalhe por todo país com velocidade acentuada devido ao colapso climático para o qual nos encaminhamos se a inação e dissonância cognitiva, governamental e privada, existentes em relação às urgentes transição energética e necessidade de ação nas cidades não forem superadas. Para conquistar este que é o desafio existencial do nosso século precisamos entender que: 

 

1. Insistir no petróleo, gás e carvão como algo razoável no médio e longo prazo é na verdade investir contra nossa segurança, climática, humana e econômica, e das futuras gerações quando esses investimentos já não fazem mais nem sentido econômico e favorecem apenas o lobby do petróleo e quem se beneficia de sua corrupção (Allison). Não dá para querer ser líder climático global e abrir poço de petróleo novo na foz do Amazonas; 

 

2. Não adianta só diminuir o desmatamento e avançar na transição energética, ações essenciais mas que não compõem o todo da questão. É urgentemente necessário desenvolver o urbanismo climático como principal estratégia de resiliência para nosso povo, uma vez que 87% dele vive em cidades e precisaremos reformar nossas estruturas e territórios agrícolas, e; 

 

3. Desde que a Crise Climática é a maior falha de mercado da história e é centralmente um problema de gestão dos comuns (Ostrom), não serão soluções de mercado que vão nos salvar ao mesmo tempo que não podemos esperar que uma sociedade baseada na ordem do individualismo não apresente o caos coletivo (Berman). Precisamos do governo liderando tanto os investimentos capazes de criar novos mercados verdes assim como a regulação para proteção imediata das nossas vidas. É bom lembrar também o setor privado que a transição climática é “big business”, com muito mais futuro econômico que “business as usual”. 

 

Frente à natureza planetária da Crise Climática precisamos unir essas ações locais e de países soberanos a uma série de regulações e leis internacionais amparadas pela urgente reforma do Conselho de Segurança da ONU onde o mesmo se torne também um Conselho de Segurança Climática (como proposto nesta coluna em 2021). A Fervura Global é a maior crise já enfrentada pela humanidade e pode ser superada. Entretanto, para tal não podemos fazer as coisas como sempre fizemos e que foram exatamente o que nos trouxeram aqui nesta arapuca. A razão pela qual precisamos de ação climática é a mesma pela qual precisamos de uma polícia que funcione, de um país mais justo e de uma paz estável no contexto mundial, a nossa segurança. 

 

Pedro Henrique de Christo: urbanista climático, presidente do NAVE – Novo Acordo Verde e cofundador do Parque Sitiê na favela do Vidigal, Rio de Janeiro. É professor-visitante de políticas públicas, desenho urbano e arquitetura na Universidad Eafit-Urbam, em Medellín, tendo lecionado também na Harvard University, University of Cape Town, UDP-Universidad Diego Portales e FGV-RJ. Fundador do estúdio interdisciplinar +D, recipiente de múltiplos prêmios internacionais, e colunista da plataforma Fervura no Clima. Mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Harvard, onde sua tese inspirou a aula School of the Year 2030@Rio de Janeiro na Harvard Graduate School of Design, foi reconhecido oficialmente como notório saber (famosam scientiam) neste ano de 2023. Paraibano, nascido no Sertão e criado na praia da Zona da Mata, é baseado no Rio de Janeiro.

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