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Débora Targino
Dados revelam que, em 2024, uma criança de 10 anos (mundo afora) pode ter enfrentado o dobro de incêndios/ciclones, três vezes mais inundações, quatro vezes mais quebras de safra e cinco vezes mais secas, em um caminho de fervura global de 3°C, do que uma criança de mesma idade, em 1970. Além disso, o impacto tem sido mais drástico em locais de baixa e média renda (favelas e periferias), onde, devido às altas temperaturas registradas, estudantes podem vir a sofrer perda neuronal, da capacidade cognitiva e regulação emocional.
Diante desse colapso, países têm incluído o ensino da educação climática em seus currículos escolares. É o caso da Inglaterra que quer ensinar aluno/as a gerar soluções ambientais inovadoras e resilientes. Iniciativas como essa são relevantes, embora parte de uma reflexão mais abrangente: o repensar o propósito da própria educação. De modo geral, a educação formal atual privilegia a preparação de estudantes para o mercado de trabalho, com foco no ensino de competências, segundo ideias de meritocracia e lógica individualista, baseando-se em teorias que priorizam o conhecimento na construção de prosperidade e riqueza, mensurável através de avaliações, como o PISA.
Contrapondo-se a esse modelo, educadores têm defendido outros propósitos à educação que não sejam, notadamente, o de treinar alunos/as para entregar bons resultados. É o caso do pedagogo holandês e professor da Universidade de Edimburgo, G. Biesta, que propõe que, além de conteúdos, as escolas ajudem estudantes a ter boas relações e a regular seus desejos e impulsos, contribuindo para formar adultos maduros. Para ele, a ponderação dos desejos é primordial em uma sociedade democrática, cujos indivíduos devem ser capazes de eleger aqueles que não coloquem em risco valores democráticos essenciais. Igualmente, o filósofo francês Edgar Morin e sua teoria do pensamento complexo, defende que, frente aos atuais desafios sociais, como a crise climática, a educação do futuro precisa preparar estudantes para lidar com a complexidade, o caos e as incertezas, numa abertura e flexibilidade de pensamento capazes de gerar novas respostas. Assim, as escolas seriam lugares de formação de consciência e criticidade, inspirando uma ética coletiva e dinâmicas de poder com menos exploração e desigualdade, mais colaboração e responsabilidade.
O momento exige “uma tomada de consciência radical” com a educação assumindo um papel crucial no combate ao aquecimento global. A crise climática se conecta à outras – ética, social, humanitária – convidando à reflexão de questões relevantes que se entrelaçam, como gênero e raça. A educação tem o potencial de gerar novas compreensões da realidade, incluindo saberes relevantes e marginalizados, como o “pensar coletivo, pensar com sentido” da cosmovisão ameríndia, no “eu sou porque nós somos”, da filosofia Ubuntu com reconhecimento e valorização do outro, e as práticas dialógicas, que valorizam o diálogo, a reflexão e a troca de ideias entre indivíduos, visando a transformação social. As escolas podem tornar-se locais resilientes, protegendo estudantes e sua aprendizagem; promover campanhas de conscientização comunitária que gerem engajamento democrático para criação de projetos de mitigação e políticas públicas, como Planos Climáticos Populares; contribuir para formar profissionais qualificados capazes de antecipar/lidar com esses extremos; e, acima de tudo, promover um pensar/atuar mais aberto, flexível, colaborativo, integrador e transdisciplinar que reúna os diversos saberes e profissionais na busca de soluções inovadoras. Crises revelam oportunidades; talvez, essa aponte para o despertar e flexibilizar das consciências, o resgatar da humanidade e regenerar o planeta.
Mestre em Mediação e Negociação de Conflitos IUKB’13 e Políticas Públicas em Educação King’s College London’ 23. Graduada em Direito (UEPB), advogada (OAB/RJ) e coordenadora de projetos do NAVE.