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Chega de nonsense: sobre a economia, urbanismo e o fim do petróleo

O urbanista Pedro Henrique de Cristo escreve sobre o papel do mercado na formação do Brasil e suas cidades

O Brasil é um país que teve algumas das mais importantes expressões do modernismo no século XX, na arquitetura e na arte, mas que até hoje não se modernizou. Nossa matriz industrial definhada só inovou em pouquíssimas ilhas de excelência ao longo da história e o modelo extrativista agropecuário e de mineração ainda, arcaicamente, domina o nosso comércio exterior. Não existe país desenvolvido que tenha como força motriz de suas exportações a produção de commodities (69,7% no caso do Brasil). Nossa população se urbanizou, com 87% dela vivendo em cidades, mas a modernização do nosso ambiente não resultou como deveria em expressões científicas e tecnológicas. Só na arte nos salvamos.  

Com a mesma lógica de produção colonial que impera desde a invasão europeia, o desenvolvimento do nosso mercado interno e capacidades educacionais e tecnológicas nacionais nunca deslanchou porque as forças dominantes nunca tiveram interesse, força ou entendimento para isso. Nossas cidades não viraram pólos de inovação como o talento do nosso povo permite e vivem principalmente do setor de serviços enquanto a produção extrativista e de manufatura de baixíssimo valor agregado continua a ditar as regras. A maior parte da nossa indústria é estrangeira e baseada em tecnologia de 2a mão para baixo.  

Isso quer dizer que uma parte bem menor da população, a que comanda o setor rural, mais amplamente de commodities, e se baseia num sistema de produção de concentração de riqueza nas mãos de poucos tem grande influência no poder público e na mídia nacional. Ainda vivemos a doença da vaca holandesa, que condena os países ricos em recursos naturais ao subdesenvolvimento, devido à riqueza de nossas terras, minerais e da energia suja do petróleo. Só que aqui esse subdesenvolvimento não se restringe a nossa capacidade de produção como também de pensamento na arena pública.

Discussões enfadonhas tomaram a mídia na  semana Santa, a começar da eterna falácia de que precisamos de juros altos para controlar a nossa inflação de oferta! Qualquer aluno mediano de economia saberia demonstrar que uma coisa não tem nada a ver com a outra.  A afirmação é capaz de fazer Gregory Mankiw, pai dos livros didáticos da quase ciência, coçar a cabeça com incredulidade e é condenada até por economistas liberais estrangeiros. Só para não escreverem que não expliquei porque aqui vai: como nossa inflação é de oferta, ou seja, onde os preços sobem devido ao encarecimento de insumos de produção como por exemplo fertilizantes devido a guerra da Rússia e Ucrânia aumentar os juros não faz o menor sentido. Estes só teriam efeito se nossa inflação fosse de demanda, ou seja, se os custos de produção estivessem estabilizados e o preço subisse por causa de aumento descontrolado na demanda por compra, o que obviamente não é o nosso caso no Brasil. O que temos aqui com esses juros surrealistas é uma transferência de renda da classe média e dos mais pobres para a classe rica rentista, em sua maioria os herdeiros dos produtores de commodities que formam a oligarquia até algum tempo atrás ainda republicana como apontou Antonio Candido e não permitem o pleno desenvolvimento do povo e nem da nossa burguesia.   

Nos últimos dias foi anunciada também a vinda de um urbanista estrangeiro controverso, Alain Bertaud, dono de afirmações que seriam ingênuas se não fossem perigosas tais quais “reduzir a poluição é um impedimento para o desenvolvimento”, e sem resultados práticos para defender suas teses de que, “é o mercado que melhor desenha as cidades” trazendo ordem para o caos sem a necessidade de participação democrática. Áreas informais, fortemente presentes por exemplo em Nova Delhi, onde a expectativa de vida está sendo reduzida em 10 anos devido a poluição (Energy Policy Institute da University of Chicago, 2022), deveriam ser jogadas ao liberalismo da própria sorte e serem objeto da derrubada do máximo de regulações para grandes obras de mobilidade e uso do solo à revelia da vida urbana e de condições ambientais. Um postiço dos piores momentos de Robert Moses, o destruidor de cidades a cutelo que flagelou New York e ainda vive quase cem anos depois em propostas neoliberais como essas apesar de seu retumbante fracasso e ostracismo ainda em vida.  

Veja bem, as cidades pertencem aos cidadãos e não aos construtores e estas precisam ser desenvolvidas respeitando as condições sociais e ambientais de onde se situam, ainda mais agora com o aumento da incidência de eventos extremos devido a crise climática. Por isso e pela inteligência contextual do povo nos territórios em que vivem é sine qua non a participação democrática no desenho da cidade, assim como inferências de outras disciplinas, a integração harmônica às condições ambientais e contribuição equilibrada do design e tecnologia nesse processo. O maior problema de nossas cidades são as recorrentes falhas de mercado e influência alavancada deste na decisão pública que levam a resultados catastróficos para vida urbana como mostraram Jane Jacobs em “A Morte e Vida das grandes cidades americanas”, Allen Ginsberg, o pai dos hipsters, no seu poema “O Uivo” e até o economista liberal Ed Glaeser em “O triunfo da cidade” e suas pesquisas, com o qual dei aula no curso CitiesX realizado por Harvard e MIT. 

Urbanistas como Bertaud se apoiam em usos enviesados e muitas vezes superficiais de ciência de dados nas cidades, ao contrário de usar a tecnologia como instrumento aumentador da inteligência e capacidade de decisão democrática da pólis como defendido no livro seminal sobre cidades e tecnologia, The Responsive City, de Susan Crawford. Este conta com um estudo de caso do Brasil, a Ágora Digital, projeto de participação democrática física e digital e gestão de dados para o desenvolvimento de mecanismos de democracia direta das comunidades nos seus territórios e no nível municipal. Projeto este, desenvolvido no Vidigal, Rio de Janeiro, por equipe que coordenei junto a comunidade local onde foi decidida pela própria, com a liderança de Mauro Quintanilha, da comunidade e seu presidente-fundador, a criação do Parque Sitiê. Iniciativa bem-sucedida e referência internacional de estratégia de desenvolvimento social, econômico, ambiental e de resiliência climática, mostrando mais uma vez que o que faz as cidades inteligentes são as pessoas e que tecnologias devem servir a elas e não o contrário.

Entretanto, a gota d’água foi a coluna de Luiz Fernando Pondé publicada dia 10 de Abril e intitulada, “Os Inteligentinhos venceram”, uma crítica ampla e na sua maior parte opinativa, não lógica e nem factual, que até para mim, um inclusivista, trabalhista e climático que é crítico de hipérboles sectaristas entre amigos e companheiros que julgo acabam servindo a interesse neoliberais ao nos dividir invés de nos unir, pareceu deveras passional e muito pouco intelectual. Pois bem, me encaminhava para concluir o texto e seguir com a confraternização da Páscoa com minha família aguentando os 99% de tricolores que a compõe encherem meu saco sobre a horrível derrota do Flamengo quando o citado autor conseguiu superar o enfado que me dava o agora ainda bem, ex-técnico do Flamengo. O grau de falta de noção foi tanto que sou obrigado a compartilhar na íntegra a bizarra fala do mesmo sobre a urgente transição climática que temos que realizar para garantir a sobrevivência da maior parte da nossa espécie, principalmente, em países como o nosso. Aqui vai: 

“Inteligentinhos creem firmemente que podemos “stop oil” (trad: “parar o petróleo”). Os aviões continuarão a voar, os produtos continuarão a chegar à sua geladeira, o lixo continuará a desaparecer das ruas, os hospitais continuarão a funcionar. Inteligentinhos falam frases do tipo “nós temos que reconstruir tudo o que vocês destruíram”. Incrível: uma geração que nem sabe se é menino ou menina salvará o mundo da sua eterna miséria.

Pois meu caro, não somente podemos parar o petróleo, hoje produzir energia solar já é mais barato, temos que parar o petróleo. Como demonstrado no Assessment Report 6 da ONU sobre o Clima lançado dia 19/03/2023 que deixa bem claro que se não invertemos nossa trajetória imediatamente transitando nossa matriz energética para uma que seja limpa e reduzindo pela metade nossas emissões até 2030 controlando assim o aumento da temperatura global a 1,5C, o que provavelmente não conseguiremos em tempo, teremos resultados cada vez mais apocalípticos até 2050 e inimagináveis até 2100. Se você quiser verificar in loco é só ver o aumento de extremos climáticos e seus desastres por todo o Brasil, especialmente, em áreas vulneráveis, ou se você é do tipo que prefere uma viagem internacional dando um pulinho na maior seca do mundo nos últimos seis meses na Argentina ou no “aftermath” das enchentes que colocaram ⅓ do Paquistão (76 mi de pessoas) debaixo d’água alguns meses atrás após a maior seca da história no mesmo país com recordes de temperatura global no ar (52C) e no solo (65C). 

Como colocou o brilhante cientista James Hansen, ex-diretor da NASA e um dos primeiros a ligar o alerta vermelho para a Crise Climática, a quem duvido que qualquer um possa chamar de “inteligentinho”, “A Terra é o único dos três planetas terrestres (que têm superfície sólida) onde a vida é apenas capaz de existir. Marte é muito frio. Vênus é muito quente. As temperaturas destes planetas são afetadas pela distância de cada um em relação ao sol e pelo albedo de cada uma deles, a fração de luz solar que refletem no espaço. Entretanto, as suas temperaturas de superfície são também fortemente influenciadas pela sua quantidade atmosférica de gases de efeito estufa.” Eureka, advinhem o que é o rejeito do consumo de energia do petróleo, gás e carvão: gases de efeito estufa de concentração atmosférica. 

E sim, o estrago que as gerações sua e anteriores fizeram e insistem em continuar a fazer pois vocês dominam o poder já está, em bom portugês, ferrando com as nossas vidas e nos forçando a lutar também por megaprojetos de resiliência em nossas cidades, territórios e estruturas, vide a urgência do Urbanismo Climático, sobre o qual publiquei junto com meu amigo Alejandro Echeverrí na mesma Folha de São Paulo que você escreve um dia antes do lançamento do AR6 da ONU. Existem defeitos em certas posturas da nova geração, sim, nenhuma é perfeita, vide o arroubo egocêntrico de uma pequena minoria em danificar obras de arte e amostras de grande importância científica, as duas áreas principais aliadas da luta climática junto aos movimentos sociais. 

Entretanto, querer desqualificar os mais jovens porque estes “não sabem se são menino ou menina” sinceramente não é da minha, da sua e nem da conta de ninguém, apenas deles. Assim como é decisivo entender o nível de estresse a que as novas gerações são subjugadas ao herdar um mundo em decomposição pela maior falha de mercado da história, a crise climática, que acentua as desigualdades rampantes e falta de perspectivas para uma vida melhor ao mesmo tempo que a importância histórica dos jovens é decisiva nas transformações positivas da humanidade ao longo da história. Não existe nada pior do que um tolo que se orgulha da própria ignorância mas não acredito que o citado autor de infame coluna seja tolo, apenas mal informado e/ou enviesado. Ainda há tempo para aprender, chega de nonsense.

foto: Berlin Policy Journal

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