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Aprendendo a ouvir o silêncio: a ecocrítica e suas reverberações

“A análise ecocrítica de um texto pretende, de certa forma, dar voz a uma coisa silenciada – a natureza e o mundo exterior"
ilustração de Catharina Suleiman

Giovanna Suleiman

Quando me perguntam sobre o que é a minha pesquisa do doutorado em letras e eu falo “ecocrítica”, a resposta normalmente é “eco-o quê?”. Nos caminhos da minha vida acadêmica, sempre gostei de tratar de assuntos não apenas sociais, mas também de coisas que são silenciadas.  É aquela noção de que um livro só é banido se ele é bom. Os assuntos silenciados sempre me intrigaram, pois no silêncio habitam diversos elementos. No mestrado, minha dissertação foi traçar uma nova hipótese teórica sobre as distopias, que tanto se falava no nosso último governo, mas pouco se aprofundava nos silêncios das obras. A metalinguagem presente nas distopias, os espaços ficcionais – sobre esses participantes tácitos de uma narrativa – as casas, as cidades, os quartos.

Para o doutorado, eu precisava tratar de outro silêncio. Ao pesquisar as distopias contemporâneas, enquanto escrevia minha dissertação, percebi uma temática imanente: “o fim do mundo”. Essas narrativas normalmente utilizavam de catástrofes ecológicas como background de suas obras. Seja no Conto da Aia (1984) de Margaret Atwood, em que catástrofes ambientais são o norte para o início da narrativa distópica, ou em Jogos Vorazes (2008) de Suzanne Collins, outra obra distópica, na qual seu universo ficcional é construído após uma série de desastres ecológicos. Não apenas no campo da literatura a temática se repete. Em vídeo games, como no jogo distópico The Last of Us (2013), em que a construção narrativa de seu universo ficcional é dado por conta do aquecimento global, na qual um fungo que infectava apenas insetos, começa a contagiar os humanos por conta das temperaturas alarmantes.

Assim, fui percebendo uma temática em comum entre essas novas obras distópicas, uma temática quase silenciosa, quase em segundo plano, mas, que conduziam as narrativas em suas partes mais fundamentais de seus universos ficcionais. Em si, como tema a Ecocrítica não é algo difícil de se explicar, deixo aqui a definição de Ricardo Marques no E-Dicionário de Termos Literários: “A análise ecocrítica de um texto pretende, de certa forma, dar voz a uma coisa silenciada – a natureza e o mundo exterior”. Em outras palavras, a ecocrítica nada mais é que a análise ecocêntrica, e não, homocêntrica das obras. Acredito que a complexidade da Ecocrítica está no desvencilhamento do pesquisador com a visão homocêntrica que sempre nos rodeou. Fomos ensinados assim, afinal, para acreditar que somos o centro desse vasto universo. Ou mesmo, que nossas narrativas são as de maior importância. Neste instante, a humanidade precisa ouvir a voz da natureza – se descentralizar – para garantir sua sobrevivência.

Meu primeiro contato com a visão ecocêntrica do mundo foi com as obras do filósofo originário Ailton Krenak; entre várias passagens suas que me marcaram, no entanto, uma em especial foi o norte para definir as minhas pretensões de  pesquisa para a minha tese: “Estamos vivendo num mundo onde somos obrigados a mergulhar profundamente na terra para sermos capazes de recriar mundos possíveis” (KRENAK, 2022, p. 37). Muito se fala sobre o “fim do mundo”, ou muito pouco se fala sobre ele. É uma ponte dicotômica que sempre está em atrito: os preocupados com o tema falam dele até sua exaustão, gritam como Cassandra até suas vozes falharem, mas, socialmente,  é um tema silenciado. Acredito que quem esteja lendo esta coluna seja uma das pessoas que já está com a garganta cansada e deixo, se me permitem, mais uma problemática para vocês, um dos focos centrais da minha pesquisa: como que um assunto tão importante consegue ser silenciado? Ademais, caso seja finalmente ouvido, como as pessoas ainda recaem sobre o conformismo ou negacionismo?

Quando Krenak fala que precisamos nos adentrar profundamente na terra para criarmos alguma forma de futuro possível ele também reforça que: “[…] não podemos nos render à narrativa de fim de mundo que tem nos assombrado, porque ela serve para nos fazer desistir dos nossos sonhos, e dentro dos nossos sonhos estão as memórias da Terra e de nossos ancestrais” (KRENAK, 2022, p. 37).  É nesse ponto que  firmei a temática da minha pesquisa de doutorado, na indagação do silêncio. Ou da inação. A pesquisadora Donna J. Haraway propõe uma noção muito simples e profunda sobre isso, que ela chama de “Ficar com o problema”.

       “Ficar com o problema” significa compreender a problemática da crise ecológica contemporânea e não se enveredar para o negacionismo ou para o conformismo. O problema existe, ele é palpável e diariamente modifica nossos cotidianos, como, também, invade nossas narrativas, sejam elas pessoais, sociais, midiáticas e artísticas. Todavia, ignorar ou aceitar o problema não me parece uma boa ideia. A sobrevivência da humanidade depende em aprender a ouvir as coisas que ficaram por muito tempo em silêncio. Ficar com o problema significa ouvir a voz silenciada da Terra e buscar um futuro possível com ela. Nas palavras da escritora polonesa Wisława Szymborska: “o Mundo não merece o fim do mundo” (SZYMBORSKA, 2016, p. 38).

Giovanna Suleiman é mestra e doutoranda em Letras no Programa de Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES-PROEX). Completou cursos de escrita, música e literatura da University of Oxford, Harvard University, Wesleyan University e Berklee College of Music (com bolsa de aluno de destaque). Atualmente, pesquisa distopias e ecocrítica.

 

Referências Bibliográficas

HARAWAY, D. in MOORE, J (org.). Antropoceno ou Capitoloceno? Natureza, história e a crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022.

KRENAK, Ailton. Futuro ancestral. São Paulo, Companhia das Letras, 2022.

MARQUES, Ricardo. Ecocrítica. E-Dicionário de Termos Literários. Disponível em: https://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/ecocritica. Acesso em: 26 ago. 2024.

SZYMBORSKA, Wisława. “Vermeer”. In: Um amor feliz. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

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