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94% das terras indígenas da Amazônia sofreram pressões

Levantamento inédito realizado pelo Imaflora - Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola - aponta que 26 territórios indígenas apresentaram taxas de desmatamento maiores que a média regional entre 2016 e 2020.

Pesquisa considera fatores como degradação florestal, garimpos, focos de calor e existência de estradas: 26 territórios indígenas apresentaram taxas de desmatamento maiores que a média regional

 

Por Pedro Braga

 

Levantamento inédito realizado pelo Imaflora* (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) aponta que 26 territórios indígenas apresentaram taxas de desmatamento maiores que a média regional entre 2016 e 2020. No mesmo período, 94% das terras indígenas da Amazônia sofreram algum tipo de pressão externa, considerando fatores como degradação florestal, garimpos, focos de calor e existência de estradas. 

  

A pesquisa intitulada “Vetores de pressão sobre os territórios indígenas da Amazônia brasileira: situação atual e perspectivas para a governança socioambiental destes territórios”, mostra que as áreas mais pressionadas estão localizadas ao longo da nova fronteira madeireira ativa, região historicamente atingida pela degradação ambiental. O estudo considera dados de serviços de monitoramento da floresta para estimar a abrangência das ameaças sobre territórios indígenas. 

 

“Principalmente nos últimos três anos, temos observado um aumento de pressão na Amazônia. A pesquisa buscou, objetivamente, levantar esses dados de uma maneira mais ampla e, de fato, o que nós encontramos foi um crescente nível de pressão em mais de 90% das terras indígenas da Amazônia”, afirma Marco Lentini, Coordenador de Projetos Florestais Sênior do Imaflora e co-autor do trabalho.

 

As unidades com maior perda da cobertura vegetal foram as terras indígenas de Ituta/Itatá (Pará), Bacurizinho (MA), Paracuhuba (AM) e Turé-Mariquita (PA), com taxas de desmatamento anual superiores a 1% ao ano. As perdas médias de florestas para o desmatamento e degradação florestal na Amazônia estão estimadas em 0,36% ao ano, de acordo com os pesquisadores.

 

O que são pressões causadas por agentes externos?

 

Além do desmatamento, outras atividades ilegais ameaçam territórios indígenas. Para Lentini, “as pressões são, principalmente, a propagação da exploração madeireira ilegal — que está ocorrendo generalizadamente na Amazônia — e outros crimes ambientais como a mineração ilegal (garimpo) e a grilagem de terras”.

 

Estima-se que a perda de áreas para o desmatamento, exploração ilegal de madeira e garimpos nesses territórios está em cerca de 0,9% de sua área total ao ano, quase o triplo do verificado em outras regiões da Amazônia. O estudo mostra ainda que processos de pedidos para exploração minerária em territórios indígenas na Amazônia aumentaram 91% desde 2019.

 

“O nível de pressão ainda é baixo, mas já existente. Estamos falando de áreas que deveriam estar reservadas e, em situações normais de governança, não estariam sob esse nível de pressão social e ambiental”, explica o pesquisador.

 

Territórios indígenas: escudos de proteção 

  

Territórios indígenas demarcados atuam como escudos para proteger os povos nativos, a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos. “Quando se fala que terras indígenas são escudos — principalmente quando se tem grandes mosaicos de áreas — é porque esses territórios paralisam ações de vários agentes ilegais”, explica Lentini.

 

Em outro estudo, publicado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, os pesquisadores Antonio Oviedo (ISA) e Juan Doblas (Inpe), analisaram 33 anos (1985-2018) do uso da terra e verificaram a enorme contribuição de terras indígenas, unidades de conservação e territórios quilombolas para conter o desmatamento no Brasil.

 

“Apesar de [as terras indígenas] continuarem servindo como escudos, a preocupação é que esses agentes [responsáveis por crimes ambientais] estão muito empoderados. A mensagem política é ‘vai lá e faz o que você quiser’ e isso é extremamente preocupante”, afirma.

 

Enfraquecimento da fiscalização

 

Entre janeiro de 2019 (início do atual governo) e setembro de 2020 foram assinados 57 atos enfraquecendo as estruturas de proteção do meio ambiente no Brasil, por meio da restrição da atuação de órgãos fiscalizadores ou permitindo o desmatamento em áreas de proteção permanente, consideradas essenciais para a preservação dos rios, do solo e da biodiversidade. 

 

“Na atual situação de governança, com falta de recursos para fiscalização — as agências de fiscalização ambiental perderam muito pessoal e autonomia administrativa — isso ainda pode piorar muito nos próximos anos”, avalia o coordenador de projetos do Imaflora.

 

A quantidade de atos dessa natureza aumentou após o início da pandemia: Entre março e setembro de 2020, foram 23 decisões desregulamentando ou flexibilizando a legislação ambiental brasileira, de acordo com um levantamento de informações do Diário Oficial da União e de dados do monitor Política por Inteiro — publicado em março na revista Biological Conservation por pesquisadores brasileiros em instituições de pesquisa dos EUA, Reino Unido e Brasil. O estudo analisou os chamados atos infralegais – decisões do Executivo que não precisam passar pela análise ou receber o aval do Congresso Nacional para entrar em vigor.

 

“Desmatamento custa caro. É evidente que agentes ilegais estão com uma estrutura econômica que facilita muito [a ocorrência de crimes ambientais]. E esses agentes estão encontrando formas de lucrar com isso”, afirma.

 

Além disso, de acordo com o autor da pesquisa, “uma floresta manejada sustentavelmente é capaz de manter os serviços ambientais (ciclo hidrológico, ciclo de carbono) preservados. O ponto é: fortalecer a produção econômica das populações tradicionais é uma ótima medida para cuidar do território, contra os vetores de pressão e para produzir riqueza.”

 

E se nada for feito?

 

Para Marco Lentini, se nada for feito, as pessoas têm que se conscientizar que o modo de vida delas vai mudar: “A vida de alguém que mora em São Paulo, daqui a 50 anos, vai ser totalmente diferente do que é hoje. Isso é inequívoco, caso nada seja feito — tanto no sentido da disponibilidade de alimentos que temos aqui, que são gerados na Amazônia, como na qualidade de vida: certamente não teremos água da maneira como temos hoje. Talvez, o paulistano daqui 50 anos vai poder tomar banho apenas uma vez por semana. A humanidade vai mudar”, alerta o pesquisador.

 

O co-autor do estudo lembra o impacto negativo que o desmatamento gera no clima do Brasil e do planeta: “O agronegócio depende da Floresta Amazônica. Se não mantivermos grande parte (80%) da Amazônia sob floresta, com modelos que conservam a biodiversidade e geram riqueza econômica, certamente não seremos capazes de produzir soja, por exemplo, porque as mudanças climáticas afetarão os regimes de chuva em todo o país”, explica. “Precisamos limitar o aquecimento do planeta em 1,5ºC. Todas as estimativas recentes mostram que se o desmatamento da Amazônia continuar, isso não será possível.”

 

O pesquisador do Imaflora explica que se não houverem ações efetivas contra o desmatamento, “sem dúvidas: 1- nosso estilo de vida vai mudar, 2- teremos uma menor quantidade de alimentos disponíveis, 3- o clima vai mudar radicalmente afetando o agronegócio e 4- teremos que nos contentar com um planeta climaticamente imprevisível”.

 

E o que nós podemos fazer?

 

As grandes capitais do Brasil podem mudar o destino da Amazônia. Dois terços das emissões de CO2 — gás de efeito  estufa responsável pelo aquecimento global — são provenientes das áreas urbanas. 

 

“De maneira geral, modificar os hábitos de consumo é o primeiro passo. Comprar alimentos e madeira, por exemplo, de fontes comprovadamente legais, de comunidades tradicionais da Amazônia”, afirma Marco Lentini. “Uma outra medida é reivindicar governantes preocupados com a pauta de comando e controle eficiente na Amazônia. É preciso um engajamento genuíno nessa pauta.”

 

A partir dos dados levantados, é possível traçar panoramas futuros, considerados preocupantes pelos pesquisadores caso não sejam tomadas medidas de proteção a esses territórios. “Não estamos defendendo deixar tudo intocado na Amazônia. Dá pra ganhar dinheiro com o manejo florestal sustentável. O que precisamos é estancar o desmatamento”, conclui.

 

Ao fim do estudo, foram apresentadas recomendações para a diminuição da pressão sobre os territórios indígenas da Amazônia, focando em melhorias na governança socioambiental desses territórios para protegê-los de ameaças externas. Dentre as medidas recomendadas estão a inclusão de uma estratégia efetiva de combate ao desmatamento e o ordenamento prioritário das áreas legalmente protegidas.

 

*IMAFLORA

 

“O Imaflora é uma organização da sociedade civil (ONG), fundada em 1995, que fica em Piracicaba (SP) — polo de geração de profissionais da área florestal e agrícola pela ESALQ (Escola Superior de Agricultura da USP) — inclusive, um professor da ESALQ foi quem fundou o Imaflora. A organização nasceu como um reflexo dessa discussão que veio do começo da década de 90 — com o surgimento de vários movimentos ambientais no Brasil. E a grande do Imaflora veio de não trabalhar somente com preservação, mas na ideia de conservação, ou seja, dá pra usar os  recursos naturais, com boas práticas, com sabedoria e conservar a floresta.

 

Muito da história do Imaflora passa por aplicar padrões de certificação — de fato, ainda hoje é a única ONG no Brasil que faz isso. Cada projeto tem uma especificidade, tem a busca por financiadores, muito específica ao contexto de cada projeto. O trabalho expandiu muito, vai bem além de certificação, hoje tem um interesse grande em comunidades, em cadeias produtivas de comunidades, tem um núcleo de trabalho com diferentes cadeias agrícolas.” — Marco Lentini, Engenheiro Florestal e Coordenador de Projetos Florestais Sênior do Imaflora.

 

Fotografia originalmente publicada em artigo de  Philip Martin Fernside em Amazonia Real (https://amazoniareal.com.br/o-brasil-ameaca-terras-indigenas/). Ela mostra os povos da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, que em 2020 foi invadida por madeireiros e grileiros, colocando a vida dos indígenas em risco por conta da pandemia da Covid-19 (foto de Gabriel Uchida/Kanindé).

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