Praia de Coqueirinho ao sul de João Pessoa; Cacio Murilo, PBTur
Pedro Henrique de Cristo
Era 1999, chegava pela primeira vez a outro país, em NYC nos EUA, como intercambista do Rotary Club. Intercâmbio gratuito criado pelo presidente John F. Kennedy para fortalecer os laços entre os países ocidentais no pós 2a guerra onde os critérios de seleção eram passar por um concorrido processo seletivo e que sua família recebesse intercambistas de outros países enquanto você estivesse no seu ano fora. Uma experiência ímpar para eu e meus irmãos, que mesmo sendo de classe média pudemos aprender outras línguas, viver outras culturas e receber irmãos e irmãs para a vida toda do Canadá, México e Islândia.
Você era indicado para diferentes localidades de acordo com o seu ranking no processo seletivo, a escolha dos clubes do Rotary nos países para os quais você havia aplicado e uma lista preferencial de 3 países que cada candidato a intercambista apontava. Aos meus 16 anos, havia colocado em 1o os EUA, 2o Hong Kong e 3o Noruega. As razões para essas escolhas além de solidificar meu inglês, que meus pais tinham investido para que aprendesse desde cedo, eram saber em primeira mão o que fazia dos EUA a potência global, o que acontecia na China na cidade então mais ocidental do leste ou entender o sistema escandinavo com sua social-democracia referência para todo o mundo.
“Você tem sorte”, me falou o Sr. responsável pelo Rotary Club de João Pessoa na Paraíba, minha cidade. “Você vai morar em NY”. Sempre amei Jampa mas fiquei em extâse de saber que ia estudar e morar na capital do mundo. Uma vez lá a maioria das coisas eram impressionantes, algumas estranhas e outras surpreendentes não no melhor sentido. Terminei meu colégio, reforcei a ideia de que tudo é possível corretamente tão cara a eles e o mundo abriu para mim nos EUA só que já fui com a cabeça de que sim eles eram desenvolvidos mas que nós também tínhamos nossas vantagens, principalmente nossa miscigenação. Vi que haviam também muitos problemas de um capitalismo com origens na terrível escravidão e baseado num consumo e individualismo exacerbados. O que mais me chocou e abriu meus olhos para os problemas estruturais da Murika (abreviação informal de America) foram o racismo declarado, o fato de que, infelizmente, meu vizinho estava viciado em crack com minha idade e as praias que frequentava nos Hamptons em Long Island, NY, e por toda a costa eram privatizadas de maneira barbárica.
Nasci no Sertão, na cidade do meu pai, Campina Grande, o centro industrial e tecnológico do semiárido e a terra do forró, mas fui criado em João Pessoa, cidade da minha mãe e a capital mais verde, praiana e com maior qualidade de vida do Brasil, Jamparadise. A praia sempre foi o melhor lugar do mundo para mim, minha família e amigos, pela sua beleza, surfe, conexão com saúde, diversão, história e fundamentalmente por ser de todos. O melhor lugar que é de todos, onde rico, pobre, feio, bonito, velho e novo eram todos iguais. Pensei comigo, não podemos jamais deixar isso acontecer no Brasil, o dinheiro não pode roubar nosso maior e melhor espaço público, nós estamos certos.
Agora no Brasil, em 2024, depois de roubarem terras na cidade, principalmente suas favelas e periferias, como vemos no caso dos assassinos milicianos da grande Marielle Franco na Zona Oeste do Rio de Janeiro e também em áreas de proteção ambiental como no Rio Grande do Sul, de matarem camponeses e manterem os latifúndios ora ilegais e sempre imorais que prendem o Brasil no século XIX sem reforma agrária e destruírem o Cerrado, Mata Atlântica e Amazônia para roubarem terras públicas, indígenas e de pequenos produtores na floresta enquanto afundam nosso país na crise climática, esses desgraçados agora querem que seus crimes nas nossas praias sejam anistiados. Suas invasões e roubos premiados e o assalto a nossa riqueza coletiva e extremamente necessário meio ambiente consumados com legalidade. É preciso dizer não, é preciso fazer o não.
Sim, é contra isso que lidamos, milicianos traidores da pátria e outras organizações criminosas que são em sua essência ladrões de terra, seja para soja, gado, garimpo, atividades e habitações ilegais e/ou praias privatizadas. É preciso dar um basta porque eles não vão parar sozinhos. São como um verdadeiro câncer. Não por acaso têm como relator que aprovou essa excrescência em forma de PEC na Comissão de Constituição e Justiça o senador Flávio Bolsonaro, filhote do braço político miliciano que ameaça a existência do Brasil. A proposta é do ex-deputado Arnaldo Jordy do Cidadania do PA. Guardem esses nomes.
Ocorreu na 2a feira dia 17 de maio de 2024 na CCJ do Senado uma audiência pública sobre esta PEC (Proposta de Emenda à Constituição) acerca da transferência de terrenos da União para os estados, municípios ou invasores com propriedades na faixa de marinha. A denominada PEC 3/2022 revoga o inciso VII do artigo 20 da Constituição Federal que afirma e classifica nossas praias como bens da União a serem geridas pela SPU – Secretaria do Patrimônio da União, que fica no Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos. A delimitação dos terrenos de marinha compreende uma faixa de 33 metros na costa a partir de uma linha original de 1831, que já perdeu terra pelo avanço do mar. Essa PEC quer autorizar ocupantes particulares, ladrões de terra pública na verdade, a poderem receber a titularidade dos terrenos mediante pagamento. Ou seja, se você comete crime roubando a terra e a alegria das pessoas está tudo certo se você pagar.
Além de criar praias privadas, tal medida seria um desastre para a biodiversidade, economia, população em geral, cidadania e resiliência climática de todas as nossas áreas costeiras. Privatizar as praias também é um mal negócio para economia pois concentra e diminui os ganhos econômicos para as cidades e comunidades servindo apenas aos interesses de pequenos grupos que vejam só ficam com os lucros e compartilham os efeitos negativos de suas empreitadas como o descarte de esgoto e outras violações nas praias como vemos da praia do Bessa em João Pessoa, a Maragogi em Alagoas ou no Leblon no Rio de Janeiro. É ainda mais absurda a proposta num momento em que nossas praias no Brasil e todo o mundo estão ameaçadas gravemente pelo aumento do nível do mar, resultado da crise climática que esse mesmo relator e seu grupo de negacionistas inimigos da humanidade dizem que não existe mesmo com o céu caindo nas nossas cabeças no RS e por todo Brasil.
Os ladrões de terra são aqueles que querem que seus crimes sejam recompensados tais quais as construtoras de flats monstruosos que invadem as áreas de marinha das nossas praias jogando todo seu esgoto no mar, hotéis como o Sheraton no Rio de Janeiro que em área ilegal já tentou diversas vezes excluir os moradores do Vidigal de terem acesso a sua própria praia chamada Prainha do Vidigal, os desmatadores que querem limpar reservas para fazer seus toscos complexos “turísticos”, aqueles idiotas que entram na praia com seus carros do tamanho de tanques de guerra e querem fazer com que todos compartilhem dos seus péssimos gostos musicais e aqueles lambe botas, milicianos e traidores da pátria que jogam lixo na praia e quando chamados a atenção matam os protetores da nossa natureza e playground favorito como no caso do surfista big rider Ricardo dos Santos em SC há alguns anos.
É hora da sociedade, imprensa e políticos se levantarem e não deixarem esse acinte monstruoso acontecer. Milicianos, negacionistas e ladrões não podem realizar esse assalto covarde com o apoio de empresários, que não são empreendedores mas sim traças como as que Machado de Assis relata em Memórias Póstumas de Brás Cubas, ou jogadores de futebol que são verdadeiros patetas egoístas com petrodólares prontos para continuar a destruição do planeta e sociedade como seus patrões que enfiam o pé no petróleo nas arábias. Não podemos deixar esses haoles (babacas) rabearem (roubarem) nossa onda, nossas praias são sagradas e de todos nós.
Pedro Henrique de Christo (urbanista climático, notório saber, professor visitante de desenho urbano no URBAM-Eafit Medellín, presidente do NAVE – Novo Acordo Verde, Dir. do Parque Sitiê e MPP’11 Harvard);