Inundações devastadoras provocadas por chuvas intensas de monções atingiram quase todas as regiões do Paquistão, matando mais de 1.100 pessoas e deslocando mais de 33 milhões de paquistaneses. Imagens de satélite mostram que cerca de um terço do país está submerso, com os piores danos nas províncias de Sindh e Baluchistão. Autoridades de saúde pública alertaram para um aumento acentuado nos casos de doenças transmitidas pela água, como diarréia e doenças de pele. Há riscos altos de desnutrição e a exposição também, com 1 em cada 7 paquistaneses sendo deslocados dos seus lares. Muitos fizeram comparações entre a catástrofe atual e as inundações de 2010, que mataram 2.000, principalmente na província de Khyber Pakhtunkhwa, no norte, bem como as inundações de 2017 que atingiram 45 milhões de pessoas no sul da Ásia. Embora seja cedo para calcular a extensão final da destruição, o primeiro-ministro Shehbaz Sharif afirmou que as inundações deste verão são as piores da história do país.
O pesadelo que se desenrola no Paquistão é, sem dúvida, uma história de mudança climática, que lembra ao mundo que os cenários apocalípticos detalhados em documentários e relatórios não são possibilidades futuras, mas realidades presentes. A intensificação das tempestades e o derretimento das geleiras do Himalaia são as duas principais causas do dilúvio neste momento. O Paquistão está consistentemente entre os países mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas. De acordo com um índice global de risco climático desenvolvido pela ONG Germanwatch, o Paquistão foi o 8º país mais impactado nas últimas duas décadas. Isso apesar do país contribuir com apenas 0,5% para as emissões globais de carbono.
Esse padrão não se aplica apenas ao Paquistão. Países como Bangladesh, Haiti e Filipinas costumam liderar as listas dos mais vulneráveis ao clima extremo, contribuindo com menos de 0,5% para as emissões globais de carbono. Anualmente, o australiano, canadense ou americano médio emite aproximadamente a mesma quantidade de CO2 que 18 paquistaneses, 27 bengaleses ou 52 haitianos. Essa disparidade entre quais países estão contribuindo mais para as emissões globais e quais estão correndo os maiores riscos de sofrer com condições climáticas extremas tem sido destacada nos últimos anos à medida que os países vulneráveis do Sul global trouxeram suas experiências para organizações internacionais. Os líderes da nação insular do Oceano Pacífico, Fiji, repreenderam particularmente os países ricos e emissores do Norte global por seu egoísmo na luta global contra as mudanças climáticas.
No entanto, há mais na história do que apenas mudanças climáticas e emissões de carbono. Quando a análise é estendida às emissões históricas e à construção do mundo extrativista de séculos de colonialismo europeu, o quadro torna-se mais sombrio. Apenas 20 países são responsáveis por 80% das emissões cumulativas de carbono entre 1750 a 2020. Esses cálculos têm limitações, claro. Há os detalhes e a política de como as emissões de uma nação são calculadas, e há também o fato de que a maioria dos estados que existem hoje não existiam em 1750. Antes de meados do século 20, muitos dos países de hoje eram inteira ou parcialmente sob o domínio de um dos 20 principais países emissores de carbono desde 1750.
O fato de alguns dos impérios europeus dominantes, como o britânico, o francês e o espanhol, encabeçarem essa lista não é uma simples coincidência da história. A projeção de força militar opressiva globalmente e extração de recursos de lugares tão distantes quanto Ásia, África e Américas. só foi possível através do carvão e de outras formas de energia.
O Paquistão conquistou sua independência do Império Britânico em 1947 ao lado do que hoje é a Índia e Bangladesh (que fazia parte do Paquistão antes de sua independência em 1971). Os três países contemporâneos compunham a Índia Britânica, que era a joia da coroa do Império Britânico. Exaustos economicamente pela Segunda Guerra Mundial, os britânicos abandonaram sua valiosa posse colonial após um século de domínio direto e outro século de domínio indireto antes disso pela Companhia Britânica das Índias Orientais. Ao longo de quase 200 anos, a Companhia das Índias Orientais e a Coroa Britânica extraíram cerca de US$ 45 trilhões (R$ 230 trilhões) em moeda atual de sua colônia no sul da Ásia.
Além disso, estabeleceram burocracias e processos de governo que, para evitar que surgisse uma resistência unificada, foram concebidos para dividir, controlar e extrair recursos. Quando os britânicos deixaram o subcontinente em 1947, os líderes indianos e paquistaneses foram empurrados para a posição nada invejável de governar nações jovens no caos e violência da descolonização. Em ambos os lados da fronteira, eles tiveram que adotar estruturas de governança colonial, as únicas estabelecidas e amplas o suficiente para governar os vastos novos países, e muito desse legado ainda existe 75 anos depois.
Essas burocracias não foram projetadas para fazer o que é necessário hoje, que é proporcionar alívio para as regiões atingidas pelas enchentes. As elites proprietárias de terras nas áreas rurais de Punjab e Sindh foram capacitadas pelo Raj britânico para governar populações de tribos muitas vezes nômades consideradas inquietos. Por meio da desapropriação econômica e territorial, essas elites proprietárias de terras continuaram a empurrar os camponeses pobres sem terra para mais pobreza e vulnerabilidade.
Falar das inundações que devastam o Paquistão hoje sem mencionar as disparidades globais históricas e atuais seria contar uma história incompleta. A enchente no Paquistão teve impacto mais severo entre os mais pobres, aqueles que não podem construir casas ou viver em áreas resistentes ao clima extremo. No entanto, a pobreza em um lugar do qual US$ 45 trilhões foram extraídos ao longo de 200 anos é um legado colonial. O Paquistão é a mais recente vítima das injustiças climáticas perpetradas pelos países ricos do Norte global. Como tal, não é suficiente falar em fornecer ajuda ou capacitar o Paquistão. Devemos também responsabilizar os países mais responsáveis pelas mudanças climáticas globais, particularmente aqueles cujas histórias coloniais extrativistas construíram o mundo em que vivemos hoje.
English Version
CLIMATE COLONIALISM AND FLOODS IN PAKISTAN
The nightmare unfolding in Pakistan is undoubtedly a climate change story, one that reminds the world that apocalyptic scenarios detailed in documentaries and reports are not future possibilities but present realities.
Devastating floods from intense monsoon rains have hit nearly every region of Pakistan, killing over 1,100 people and displacing over 33 million Pakistanis. Satellite images show that about one-third of the country is underwater, with the worst damage being in the provinces of Sindh and Balochistan. Public health officials have warned of a marked increase in cases of waterborne diseases such as diarrhea and skin diseases. Malnutrition and exposure are also high risks with 1 out of every 7 Pakistani being displaced. Many have drawn comparisons between the current catastrophe and the flooding in 2010 which killed 2,000 primarily in the northern Khyber Pakhtunkhwa province, as well as the 2017 floods that affected 45 million people across South Asia. While it is too early to tally the final extent of the destruction, Prime Minister Shehbaz Sharif has stated that this summer’s floods are the worst in the country’s history.
The nightmare unfolding in Pakistan is undoubtedly a climate change story, one that reminds the world that apocalyptic scenarios detailed in documentaries and reports are not future possibilities but present realities. Intensifying storms and melting Himalayan glaciers are the two primary causes of the deluge at this very moment. Pakistan consistently ranks among the countries most vulnerable to climate change impacts such as extreme weather. According to a global climate risk index developed by the NGO Germanwatch, Pakistan was the 8th most affected country over the last two decades. This is despite the fact that the country contributes barely 0.5% to global carbon emissions.
This pattern is not just applicable to Pakistan. Countries like Bangladesh, Haiti, and the Philippines routinely top lists of the most vulnerable to extreme weather, all while contributing less than 0.5% to global carbon emissions. Annually, the average Australian, Canadian, or American emits approximately the same CO2 as 18 Pakistanis, 27 Bangladeshis, or 52 Haitians. This disparity between which countries are contributing most to global emissions and which ones are most at risk to climate change-related extreme weather has been highlighted in recent years as vulnerable global South countries have brought their experiences to international organizations. The leaders of the Pacific Ocean island nation Fiji particularly have berated wealthy high-emitting global North countries for their selfishness in the global fight against climate change.
However, there is more to the story than just climate change and carbon emissions. When the analysis is extended to historical emissions and the extractive worldmaking of centuries of European colonialism, the picture becomes grimmer. Just 20 countries are responsible for 80% of cumulative carbon emissions from 1750 to 2020. To be clear, these calculations have limitations. There are the details and politics of how a nation’s emissions are calculated, and there is also the fact that the majority of the states that exist today did not exist in 1750. Prior to the mid-20th century, many of today’s countries were entirely or partially under the dominance of one of those 20 leading carbon emitting countries since 1750.
The fact that some of the dominant European empires like the British, French, and Spanish top such a list is not a simple coincidence of history — projecting oppressive military force globally and extracting resources from places as far away as Asia, Africa, and the Americas was possible only through coal and other resources.
Pakistan won its independence from the British Empire in 1947 alongside what is today India and Bangladesh (which was part of Pakistan before its own independence in 1971). The three contemporary countries made up British India, which was the crown jewel of the British Empire. Exhausted economically by World War II, the British relinquished their prized colonial possession after a century of direct rule and another century of indirect rule before that by the British East India Company. Over the course of nearly 200 years, the East India Company and the British Crown extracted an estimated $45 trillion US dollars (R$230 trillion) in today’s currency from their South Asian colony.
Furthermore, they established governing bureaucracies and processes that, in order to prevent a unified resistance from emerging, were designed to divide, control, and extract. When the British left the subcontinent in 1947, Indian and Pakistani leaders were thrust into the unenviable position of governing young nations in the chaos and violence of decolonization. On both sides of the border, they had to adopt colonial governance structures, the only structures established and broad enough to govern the vast new countries, and much of this legacy still exists 75 years later.
These bureaucracies were not designed to do what is needed today, which is providing relief for flood-stricken regions. Landed elites in rural areas of Punjab and Sindh were empowered by the British Raj to govern populations of often-nomadic tribes deemed to be restive. Through economic and territorial dispossession, these landed elites have continued to push poor landless peasants into further poverty and vulnerability.
To speak of the floods devastating Pakistan today without mentioning historical and present-day global disparities would be to tell an incomplete story. The flood in Pakistan has most severely impacted the poorest, those who cannot afford to build homes or live in areas that are resistant to extreme weather. However, poverty in a place from which $45 trillion was extracted over 200 years is a colonial legacy. Pakistan is the latest victim of climate injustices perpetrated by the wealthy countries of the global North. As such, it is not enough to speak of providing relief or building capacity in Pakistan. We must also hold accountable the countries most responsible for global climate change, particularly those whose extractive colonial histories built the world we live in today.