O Rio de Janeiro é um estado falido. Situação que piorou nos últimos 18 anos, com o crescimento do poder paralelo na região metropolitana (105,73%) onde as milícias aumentaram sua área em 204,6% e se encontram próximas do CV em influência. Este expandiu 89,2%, concentrando 51,9% dos territórios controlados por grupos armados na Grande Rio. Hoje, 18,2% das áreas urbanizadas da metrópole e 24,6% da capital, que é dominada pelas milícias (66,2%), seguida pelo CV (20,7%), são subjugadas pelo crime organizado. Devido à desigualdade espacial, onde os mais pobres ocupam menos espaço, 37,33% dos metropolitanos, 4,4 mi hab, população maior do que a do Uruguai e que seria a 3ª maior capital do nosso país, e 57,1% da capital, 3,54 mi, vivem sob narco e para-ditaduras (GENI-UFF et NEV-USP).
Estas organizações disputam a legitimidade do estado nos territórios que ocupam, áreas estas caracterizadas pelo abandono estatal. Assim, classificá-las como organizações terroristas é mais uma jogada de cunho político, claramente também pelo fato dos políticos de extrema direita curiosamente isentarem as milícias dessa condição as aferindo apenas as facções de drogas. Grupos criminais armados os dois que a cada dia se parecem mais em suas práticas de violência, ocupação territorial e inserção no mercado formal.
Todo esse contexto, apesar de ser também fruto de outros fatores históricos e geográficos, é essencialmente resultado desta guerra aos pobres exaltada pela extrema direita que produz chacinas, corriqueiramente predando também inocentes, como as de Vigário Geral e agora nos Complexos do Alemão e Penha, com 121 mortos, sendo 4 policiais.

Complexo da Penha em chamas durante conflito na operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro (Creative Commons)
O papel fundamental da polícia é proteger os cidadãos. Assim, qual é a lógica de realizar incursões de guerra em territórios densamente povoados em sua esmagadora maioria por famílias e trabalhadores para então não estabelecer o controle territorial do estado? Ainda mais desde que esses territórios são hoje a maior fonte de lucro do crime com ramificações que vão desde a venda de gás até os mercados imobiliários e financeiros superando na maioria das vezes o tráfico de entorpecentes.
A tentativa de ocupação com as UPPs-Unidades de Polícia Pacificadora foi de vida curta durando só até as Olimpíadas e nunca foi acompanhada das ações de desenvolvimento humano e urbano necessário como corretamente reclamava o ex-comandante da Polícia do Rio de Janeiro, Mariano Beltrame, ao então governador Sérgio Cabral, notoriamente preso antes do final do seu mandato. A antiga UPP-Social nunca passou de uma marca e o comentário nas favelas era que o programa era tão inefetivo que “nem inglês conseguia ver”. Após os megaeventos o que se viu foi o colapso das instituições no Rio e uma ressaca de violência nas favelas. Beltrame, o mais bem-sucedido líder de segurança pública no Brasil nas últimas décadas havia pedido demissão em novembro de 2016, dias antes do então governador ser preso, declarando diferenças irreconciliáveis com o mesmo.
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Corpos recolhidos e expostos pelos moradores no complexo da Penha no dia seguinte à operação policial mais letal da história da história do Rio de Janeiro (Wikipedia)
O nosso drama é que enquanto a extrema direita insiste na necropolítica que aterroriza pobres e executa criminosos num país em que não existe a pena de morte em nossa lei, de preferência traficantes em detrimento de milicianos, os progressistas fazem boas críticas mas carecem de propostas. O uso da GLO-Operação de Garantia da Lei e da Ordem com a aplicação de forças militares, que caracteriza a falência do governo estadual do RJ, pedido pela direita só vai piorar a situação como já vimos antes no mesmo Rio de Janeiro desde que militares não são treinados para garantir a segurança da própria população mas sim defender o território nacional. Assim como também não adianta falar de PEC e SUS da Segurança sem atacar o cerne da questão: a relação dos entes federativos, a própria polícia e a falta de políticas de integração e resiliência para estes territórios.
Precisamos de estratégia cidadã similar ao Consent Decree (Decreto de Consentimento) imposto pela Suprema Corte dos EUA a LAPD (Polícia de Los Angeles) em 2001 após o assassinato policial de Rodney King em 1991 que foi seguido de massivos protestos. Nesta, a Suprema Corte alocou procuradores federais para comandar a LAPD numa reforma integral. A primeira ação foi trazer o respeitado chefe de polícia de Boston e depois New York, William Bratton para liderar a transformação.
Em LA, ele comandou um processo de combate a corrupção, mudança de treinamento, foco em inteligência, ocupação territorial, construção de capital social e a implantação de mecanismos de supervisão cidadã como o Teams II, a obrigação de policiais trabalharem em duplas para que sempre houvesse testemunhas, e as câmeras acopladas ao uniforme, ambas soluções trazidas para a PMERJ com o citado Beltrame pelo nosso grupo do Harvard Criminal Justice Global Program, liderado na época pelo professor Christopher Stone, hoje em Oxford. À época, fui o enviado para fazer a pesquisa de campo sobre a experiência de segurança angelina em 2011. Extremamente bem-sucedido, o Consent Decree transformou LA virando referência mundial.
Junto à adaptação de um Decreto de Consentimento do STF na PMERJ é preciso realizar a integração das Polícias Civil e Militar numa única instituição em parceria com nossa suprema corte e a PF. É impossível transformar nossa segurança com uma estrutura que é metástase da ditadura e que só existe nesses moldes no Brasil e Guiné Bissau, autocracia da África Ocidental.
É também sine qua non realizar a integração socioeconômica, espacial e o aumento da resiliência social e climática dos territórios como feito em Medellín. Como dizia Júlio César, para se tornar cidadão é preciso ser parte da cidade. É preciso construir o estado nos territórios ocupados. A urgência só aumenta com a crise climática que tem impacto direto na violência, seja com ondas de calor e sua correlação estatisticamente significante com o aumento de crimes violentos até a expansão do controle pelo poder paralelo após eventos extremos, como nas enchentes do RS. Não há mais tempo, precisamos da liderança e coragem de nossos políticos e sociedade civil. Assim como L.A. e Medellín, o Rio também pode se tornar um exemplo de transformação. Não só o Rio mas o Brasil também depende disso.









