Fervura no Clima e uma ilustração de turbina eólica.

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INSPIRAÇÃO PARA ENFRENTAR O AQUECIMENTO GLOBAL

Fervura no Clima e uma ilustração de usina termelétrica sendo desativada.

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Ninguém escapa da crise climática

Do Brasil a Islândia, estamos todos em risco existencial
tira publicada na Folha

Do jeito que vai vamos ter uma migração em massa do Brasil para o sul da Argentina e Chile para aguentar o calor,” falava eu entre uma cerveja e outra após ouvir palestra do físico Paulo Artaxo, referência da ciência climática mundial, onde este confirmava o que suspeitávamos: o aumento de 1,5C comparado a era pré-industrial já era mesmo. Como ele havia acabado de demonstrar, estamos numa trajetória auto-destrutiva, em que se conseguirmos manter a fervura abaixo de 2C entre agora e 2050-100 e evitar a atual trajetória para 3C (ou mais) será uma grande vitória. 

Havíamos acabado o primeiro dia de seminário e abertura de exibição sobre ação climática que organizamos pelo NAVE – Novo Acordo Verde junto com este Fervura no Clima e a galeria Choque Cultural em iniciativa casada de clima e arte urbana em Belém na Cúpula dos Países Amazônicos e no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo, em agosto e no final do ano passado respectivamente. O fizemos com forte apoio do CCBB-SP, Ministério da Cultura, Sec de Cultura do governo do estado do PA e Prefeitura de Belém unindo arte, cultura, urbanismo e ciência para sensibilizar as pessoas em geral e mudar o discurso para focar em soluções. 

Imediatamente, um dos meus irmãos chamado Bjorn, este nascido na Islândia, disse “Não, vocês tem que vir para Reykjavik, ficar lá com a gente!”, para o qual meu outro irmão, Rafael, falou “Com certeza, melhor que a Argentina viajando que Maradona ou Messi são melhores que Pelé”, para o qual todos rimos. De imediato fiquei feliz com a assertividade do meu irmão em nos querer perto e logo em seguida senti outra pancada da nossa realidade climática, o pensamento de migração mesmo que distante começava a passar pelas nossas cabeças e conversas. 

Pois bem, assim como a ideia de que a indústria do petróleo, gás e carvão vai de bom grado se dirigir a descarbonização energética ou que é apenas uma pequena parte dos grandes produtores do agronegócio que queimam a floresta e grilam terras para encher de gado  flatulando e arrotando metano na atmosfera ou soja sugando nossa água [no mínimo ⅓ (UE)], a noção de que haverão lugares seguros na nossa trajetória é provada também cada vez mais irreal. Basta ver o que tem sido 2024, da catástrofe com as chuvas no RS a onda de calor e seca atual com o Brasil em chamas e fumaça em 60% do território nacional. 

2,2 C de aumento de temperatura gera queda de 20% no PIB 

Para aumentar ainda mais o zunido do alerta em meio aos ares de deserto e fumaça apocalíptica que nos envolveram, resgato modelagem de 2022 liderada pela economista Manuela Kiehl do think-tank Oxford Economics, fundado por alumni da Oxford University como o nome sugere. Ela aponta que uma fervura global de 2,2C até 2050 causaria uma queda de 20% no PIB global, uma queda 20 vezes maior do que nos modelos anteriores, que não faturaram a amplitude dentro da média de temperatura e a falta de preparação de resiliência, ou seja, o impacto dos extremos climáticos como o que vimos no RS com as chuvas ou desta que se encaminha para ser a maior onda de calor, queda de umidade e incêndios no Brasil na história. 

Mais, se a trajetória de aumento de produção e emissões que vivemos hoje continuar podemos chegar a uma fervura entre 3C e 5C até 2100, o que causaria uma decisiva destruição da civilização humana, extinção natural em massa no planeta inteiro e a aniquilação econômica do nosso sistema produtivo, monetário e financeiro. Algo pior que o colapso da idade do bronze (1200-1150 A.C.), de escala global e levando juntos conosco a maioria esmagadora da vida na Terra. É como se os defensores da indústria fóssil e destruição da natureza fossem o cometa que destruiu os dinossauros (e muito do que vivia junto com eles). 

A simulação de Oxford, feita a partir de correções de modelagem realizadas por Burke, Hsiang e Miguel em 2016, sugere que diferentemente do que no estudo anterior, países mais frios não mais se beneficiariam da fervura no clima. O impacto na economia global não seria compensado por ganhos de produtividade na Islândia, Suécia ou Rússia, por exemplo. Sem adaptação climática, leia-se urbanismo climático, regeneração ambiental e a transição energética, estes países também seriam negativamente impactados, tanto no curto como no longo prazo. O estudo aponta que mesmo que a adaptação climática seja feita da forma devida se não avançarmos decisivamente na descarbonização para conter a fervura, a perda no PIB global ainda será de 10%. 

Como a autora coloca: “Os resultados demonstram os custos econômicos da inação climática e, conversamente, a importância da adaptação e mitigação climática. Enquanto a mitigação reduz emissões para responder às causas raízes do aquecimento global, a adaptação reduz os danos econômicos deste aquecimento global.” Isso para não falar do principal, os custos em vidas humanas, e ressaltando que a mitigação e adaptação têm de ser feitas juntas por meio de infraestruturas multifuncionais de resiliência.

Aterrisando aqui no Rio de Janeiro, literalmente, no dia 02/09, após algumas semanas em São Paulo, vivi algo inédito, a fumaça das queimadas na Amazônia, Cerrado e Pantanal, que acabavam de avançar sobre Brasília, que chegou a 7% de umidade na mesma semana, havia chegado aqui na costa com os mesmos ventos e rotação da Terra dos Rios Voadores e não se dissipou nem com a umidade litorânea. 

Duas semanas após minha chegada em ida à praia no final de semana não conseguia ver o Vidigal e nem as Ilhas Cagarras em Ipanema, envoltos na fumaça que coçava minha garganta. O drama não era mais restrito à Amazônia, Cerrado, Pantanal e São Paulo com sua secura, calor extremo e poluição endêmica. O Rio de Janeiro acabava de entrar na mesma tribulação. Uma cena triste e impressionante, o aeroporto Santos Dumont, o Cristo e toda cidade das favelas ao asfalto cobertos por GHG – Gases de Efeito Estufa lembrando da escala dos eventos extremos da crise climática. 

A verdade é que o atual governo, muito superior aos governos negacionistas, está melhorando de fato os indicadores socioeconômicos e tem boa intenção, mas não está entregando os resultados devidos e prometidos nas áreas ambiental e climática. Os incêndios da Amazônia ao Cerrado e Pantanal aumentaram mais de 100% em relação ao ano passado (CEMADEN) e no MT  345% e apesar de ter havido uma melhora inicial na Amazônia o desmatamento geral continua crescendo bastante. Isso, enquanto o governo federal é cada vez mais refém do nosso setor agropecuário, acabando de incluir a carne como produto isento de impostos, favorecendo este que mesmo assim enviou nesta semana carta aberta ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima reclamando de mínimos passos concretos que estão sendo propostos para conter a grilagem de terra ligada a incêndios e produção agrícola poluente. 

O agronegócio será o maior prejudicado

O agronegócio brasileiro precisa acordar que ele será o maior prejudicado da destruição que causa, tanto por questões climáticas como por sanções internacionais como o veto à importação de carne e produção de áreas desmatadas pela União Européia que deve atingir 30% das nossas exportações no setor, além do sentimento de revolta geral da nossa população pelas consequências de seus atos. 

O projeto de transformação ecológica, termo datado e de etimologia incompleta pois deveria se chamar transformação climática, insiste em instrumentos que já se mostraram inefetivos pelo mundo, como créditos de carbono, que têm apenas 6% destes ligados de fato a alguma árvore (Cambridge University, 2023) para não falar dos roubos de terras públicas e abuso de povos locais. O presidente Lula por sua vez, apesar de estar entre os melhores que já tivemos, ainda está preso a uma lógica do século XX em que petróleo é desenvolvimento ao insistir na possibilidade de perfurar novos poços na Amazônia Equatorial em cima da COP 30 de Belém e da trajetória atual para 2C de fervura em 2040 em que nos encontramos. 

O presidente e sua equipe precisam entender o que está acontecendo e como vai ser a próxima COP pelo bem de todos nós. Ou o Brasil lidera os aliados do clima ou vai sair como parte substancial do problema para toda a humanidade.

Sobre petróleo na Amazônia, primeiro, não podemos nos ferver mais e é exatamente isso que petróleo, assim como gás e carvão, faz; segundo, a dita riqueza que o petróleo gera fica nas mãos de pouquíssimos, mais especificamente os oligarcas e lobistas do indústria petroleira, nos setores privado e público; e terceiro, as populações e ecossistemas locais têm suas vidas destruídas por esse tipo de exploração sem ganho socioeconômico algum. Se quiser comprovar, é só observar o caso da cidade de Coari, AM, e de tantas outras por este e outros biomas mundo afora. 

Isso é tão óbvio de não se fazer que, ainda bem, até figuras tradicionais do mercado, e da centro-direita já começam a defender a não exploração. É uma loucura coletiva muito grande que toda população, setor privado e governos no Brasil e no mundo permitam que seu presente e futuro sejam destruídos por causa do lobby dos fósseis. Sim, alguns vão ter que perder e será necessária uma grande transição de valor no mercado energético e receitas nacionais. Entretanto, que oligarcas da destruição do carbono e menos de 0,001% da força de trabalho mundial (32 mi de 3,5 bi) que remete a indústria do petróleo, gás e carvão tenha de ser realocada para outras áreas para que todos nós possamos viver é ética, racional e passionalmente correto. 

Como aponta outro fundamental pesquisador brasileiro, o historiador Luiz Marques da UNICAMP, aqui, é urgente que deixemos de permitir que outro lobby, o do agronegócio, também continue a prejudicar a todos nós com seu primitivismo autodestrutivo e vontade de manter nosso país como uma grande fazenda colonial em pleno século XXI. Tudo isso enquanto arautos das falsas soluções insistem que o papel do Brasil é servir apenas de área extrativista e bueiro de carbono, dentro de uma imensa dissonância cognitiva com os citados créditos de carbono que são na verdade licenças para poluir, meio que como uma auto-cadeirada do clima. Hoje, onde tecnologia e conhecimento são poder de soberania e prosperidade e ação climática questão de sobrevivência imediata, precisamos seguir por outro caminho. 

Ao invés dessa trinca destinada ao fracasso de mais petróleo, falsas soluções e do dito ogro-negócio, nós temos que aproveitar que nossa matriz energética está entre as mais limpas do mundo e liderar o planeta com a plena descarbonização da mesma junto a regeneração ambiental aliada a produção agrícola de ponta e o urbanismo climático num processo de cura e transformação planetária que precisa ser o nosso Sonho Brasileiro.  E esta é, veja só, a maior oportunidade de negócios da história da humanidade para os demais 99,999% com a inevitável transformação climática global e seus Novos Acordos Verdes que terão de ser realizados por todo o mundo. Como já apontei em artigos passados, se Lula quiser ser como Mandela, Gandhi ou Churchill, no século XXI, é isso que ele tem que fazer e não repetir a receita de bolo de 20 anos atrás para a sociedade, economia e clima.  

Não podemos esperar. É hora da sociedade civil e dos verdadeiros líderes do setor privado acordarem e se unirem para pressionar os nossos governos municipais, estaduais e federal, pois se nós continuarmos da mesma maneira permitindo que globalmente a indústria fóssil e localmente o agronegócio arcaico destruam nossas vidas, o ponto de não retorno vai chegar muito mais rápido do que estamos imaginando. E não vai ter Islândia ou Rio de Janeiro para a gente se proteger da fumaça. Ninguém escapa da crise climática.  

Pedro Henrique de Christo (urbanista climático, notório saber, fundador do estúdio interdisciplinar +D de Arquitetura & Urbanismo, criador do primeiro Modelo 4D de simulação de cenários climáticos urbanos, professor visitante de desenho urbano no URBAM-Eafit Medellín, presidente do NAVE – Novo Acordo Verde, Dir. do Parque Sitiê e Mestre em Políticas Públicas – MPP’11 em Harvard);

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