“Passou um mês, parece que passou um século.”
Adriana Calcanhoto
Enquanto tento me concentrar para escrever este texto ao lado do meu prédio uma obra fere a terra abrindo buracos para a construção de mais um edifício com 30 andares embutido sem dó em um terreno de 20 metros quadrados. Bang! Bang! Bang! A perfuratriz come a terra. O chão do apartamento treme.
Enquanto tento me concentrar para escrever este texto me atormentam as cores dos mapas de previsão do tempo que desde o ano passado tem sido tomados pelo roxo, vermelho, laranja e amarelo… bang! Cores que indicam alerta e que comprovam o que os cientistas dizem, que 2023 foi o ano mais quente da história do planeta. Bang! Mais uma ferida na terra!
Enquanto tento me concentrar a angústia com as notícias do sul tomam conta da minha cabeça… bang! Os rios baixaram por alguns dias, mas voltou a chover e a água novamente jorra pelos bueiros e invade casas. Bang! Nem deu tempo de limpar tudo que a enchente deixou para trás. Bang! Meus parentes do sul estão bem e a salvo. Mas e quem perdeu tudo? Cidades inteiras tem que, simplesmente, mudar de lugar. Como que se faz isso? Bang! O chão do apartamento treme.
A onda de calor seco parece nunca mais ir embora. E a enchente também. Os pensamentos torturam, pois tudo que era previsto pelos cientistas em relação a eventos de clima extremo acontece na nossa frente transformando filmes de ficção científica em documentário. Bang! A natureza mostrando que quem manda são poderes do vento, da água, do calor e do frio. Não importa quanto concreto colocarmos em cima da terra a água sempre vai passar por onde quer, afinal essa terra é mais dela que nossa. Bang!
Em um cenário desses como que se pensa o futuro? Como se estuda para um concurso? Como se planeja uma viagem? Como se compra uma casa? E onde é seguro? Como é que alguém se apaixona por alguém em meio a esse caos? Bang! Mais cimento na metrópole inacabada… bang! O sul nunca mais será o mesmo… bang! Mais um prédio para quem não precisa de casa pra morar! Bang! Enquanto isso 667 mil pessoas já se tornaram deslocados climáticos, quase igualando o número total do ano passado, de 745 mil, em menos de seis meses! Bang!
Mas querem saber o que me apavora mais? O que apavora mais é que mesmo com tudo isso acontecendo na nossa frente nós não mudamos a maneira de construir. Alguns de nós até tentamos, mas na prática mesmo ainda não mudamos as leis, muito menos os paradigmas sobre como pensamos as cidades e o nosso modo de vida. O sistema segue funcionando na mão de engenheiros, arquitetos, deputados, empresários, todos invariavelmente obedecendo um tal de mercado que nada mais quer do que devorar a terra. Afinal, o que esperar de uma sociedade na qual um sinal de sucesso é justamente morar no andar mais alto com os pés bem longe da terra? Bang! Porto Alegre nem se recuperou da enchente e uma construtora derrubou uma árvore guapuruvu centenária para construir um condomínio, ironicamente chamado de “Verdant” , só falta pintar a fachada de verde para se dizer sustentável. Bang!
Tal como disse Adriana Calcanhoto durante uma entrevista, “passou um mês, mas mais parece um século”. Assim me sinto, como se o tempo tivesse nos atravessado. Bang! Adiantado em 100 anos as notícias. Bang! Da Índia vem imagens de pessoas brigando por água em meio a uma violenta onda de calor. Quase 600 peregrinos que tentavam chegar a Meca morreram de calor, a temperatura no oriente chegou a 52ºC! Bang! E já se anuncia o risco de falta de água em meio mundo, isso mesmo, metade do mundo pode ficar sem água devido à falta de neve no Himalaia. Bang! Só nos Estados Unidos 80 milhões de pessoas estação em alerta devido ao calor. Bang!
Neste momento eu só consigo lembrar de um dos aniversariantes do mês de junho, o querido maluco beleza, Raul Seixas que ao ser atropelado pela onda em meio a uma ressaca no Rio de Janeiro, deu razão a ela. “Eu me ferrei porque detonou o meu carro, mas a onda tá certa”, disse. Bang! Bang! O chão treme novamente e eu olho para as paredes esperando que este sistema violento de construir o mundo não faça o céu cair sobre nossas cabeças. Talvez as coisas só mudem mesmo quando entendermos, tal como Raul, que a água, e a natureza, estarão sempre, sempre certas.
Para além de tudo isso, o Rio Grande do Sul ainda precisa de muita ajuda, a crise humanitária segue. Existem campanhas arrecadando doações para tentar auxiliar quem perdeu tudo lá no sul. Entre elas a campanha do grupo de fotógrafas Mulheres Luz, da qual faço parte, estamos vendendo fotos para arrecadar fundos para organizações locais que estão na linha de frente desta luta. Quem quiser pode entrar no link, https://mulheresluz.lojavirtualnuvem.com.br/produtos/foto-gabi-di-bella/, ajudar e ainda levar belas imagens para casa! Os escritores sulistas e futebolistas também estão fazendo uma rifa sorteando ótimos livros sobre futebol e América Latina. é só clicar lá: bit.ly/rifaSolySombra
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