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A ciência brasileira abaixo de zero

Brasil envia o módulo de pesquisa Criosfera 2 à Antártida para entender a mudança do clima no nosso país
Embarque do Criosfera 2 no KC-390, na Base Aérea de Canoas, no Rio Grande do Sul. Foto: Marcelo Curia
Embarque do Criosfera 2 no KC-390, na Base Aérea de Canoas, no Rio Grande do Sul. Foto: Marcelo Curia

É dezembro, começa o verão e, enquanto tento terminar este texto, faz frio. Um frio fora do comum em São Paulo. Nos jornais as notícias mostram uma rua com o asfalto destroçado pela chuva, cidades inundadas em Minas Gerais e Santa Catarina, queda de barreiras em diversas estradas. Até no Rio de Janeiro faz frio. E já estamos no verão.

É impossível não associar tudo isso ao que ouvi de Francisco Eliseu Aquino, conhecido entre seus pares como “Chico Geleira,” professor doutor de Climatologia e Oceanografia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e diretor substituto do Centro Polar e Climático, quando conversamos pouco antes dele partir rumo Antártica para instalar o laboratório Criosfera 2 no início do mês.

Estudioso há mais de 30 anos do tema Chico afirma com segurança: “O planeta está mais quente, os oceanos estão mais quentes e a circulação atmosférica do Atlântico central em relação à América do Sul é que está deixando você com mais chuva, provavelmente os próximos dias vai ter muito mais chuva em direção a Santa Catarina, Paraná e nordeste, porque está realmente bem atípico esta condição meteorológica global”. Poucas vezes ouvi uma previsão do tempo tão certeira.

Mas afinal, o que fazem os cientistas brasileiros, vindo de um país que não tem gelo nem neve, na Antártida? E, por que pesquisadores de  um país tropical estão instalando o segundo  laboratório de estudos climáticos no continente gelado?

Pois, enquanto a chuva caia forte em São Paulo, alagando ruas e provocando caos no trânsito, os cientistas do Instituto Nacional de Ciência e tecnologia da Criosfera (INCT da Criosfera) arrumavam suas muitas malas para realizar a maior expedição brasileira no continente Antártico, com duas equipes, uma delas para cumprir o principal objetivo da missão: a instalação do Criosfera 2.

Montagem do Criosfera 2 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foto: Marcelo Curia Montagem do Criosfera 2 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foto: Marcelo Curia

O módulo Crisofera 2 é a segunda etapa de um projeto brasileiro – que surgiu em 2011 – quando foi inaugurado o Criosfera 1, e que pretende ampliar a rede de estudos sobre a maior massa de gelo da Terra em busca de respostas para as mudanças climáticas.

Assim como o primeiro, o 2 é um contêiner/laboratório abastecido por energia sustentável (eólica no inverno e solar no verão) que coleta todo tipo de dados climáticos da atmosfera e do gelo da região autonomamente. O Criosfera 2 foi montado pela equipe do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), como parte do Programa Antártico Brasileiro (Proantar),e desenvolvido com tecnologias fabricadas no Brasil.

O caminho até este momento foi longo e complicado, cheio de obstáculos como a pandemia e uma crise econômica e política que atrasou em cinco anos o embarque. Por outro lado, esta crise também possibilitou a ida da primeira mulher cientista na equipe do projeto, uma história que contaremos no capítulo 2.

Apesar de tudo isso, em especial o dólar alto, que inviabiliza diversas ações dos pesquisadores, como a compra de equipamentos e o transporte até a Antártica, os cientistas nunca desistiram. Foram problemas para os quais arranjam soluções ao estilo “jeitinho brasileiro”, como uma carona para levar  o módulo até o gelo.

“Nós vamos até Punta Arenas com o avião do exército brasileiro e depois até a Antártida de carona com a empresa que faz turismo lá, por isso temos uma janela limite entre o meio de dezembro e janeiro”, conta Chico Geleira. Ele explica que a escolha da posição do Criosfera 2 também dependeu disso, “o dono da empresa me falou que o trator dele passa por lá um por ano, e ele pode levar nossa carga, e, também vamos no avião deles e eu volto na última data que eles têm de voo.”

Equipe do Instituto Nacional de Ciência e tecnologia da Criosfera (INCT da Criosfera) durante o embarque do Criosfera 2. Foto: Marcelo Curia Equipe do Instituto Nacional de Ciência e tecnologia da Criosfera (INCT da Criosfera) durante o embarque do Criosfera 2. Foto: Marcelo Curia

E, é graças a esta teimosia e jeitinho que, hoje, entre os países latino-americanos (talvez do mundo) só o Brasil tem um projeto como o Criosfera, autônomo, cujo primeiro laboratório já está há cerca de dez anos monitorando sozinho os gases e a meteorologia numa região inóspita, onde não há nada num raio de 400 km.

A falta de dinheiro e o stress empurraram o endereço do Criosfera 2 para a linha do paralelo 80º graus ao sul, ao oeste do Mar de Weddell que banha a península Antártica. “Foi mais sorte que juízo pois, ali podemos monitorar a mudança climática no interior da região mais fria e isolada do planeta e isso interessa a toda comunidade científica”, explica Chico Geleira.

Ele considera uma sorte esta mudança, pois coloca o Criosfera 2 em uma posição favorável para detectar a invasão das ondas de calor na Antártica, algo incomum para o continente. É um bom lugar para o cientista, mas que, infelizmente, tem grande probabilidade de confirmar más notícias para a humanidade.

“Lamentavelmente, tenho que dizer isso, eu vou detectar um derretimento sazonal de neve e um filme de água que não deveria estar acontecendo, isso só pode ser resultado do aquecimento global e isso mexe com o balanço de energia do planeta”, diz. 

Todos os eventos climáticos da Terra são relacionados ao que acontece no Polo Sul

Este balanço de energia depende diretamente do que está acontecendo na Antártida. “A Antártica é um dos últimos pilares que regulam o clima do planeta, provavelmente o último junto com a Amazônia e os Andes. A Antártica comporta 90% do gelo isolado da Terra. É isolado no polo sul e circundada pelo Oceano Austral, cuja água fria absorve fácil o gás carbônico. Ela é como um redemoinho que coordena a interconexão entre todos os outros oceanos, Pacífico, Índico e Atlântico”, explica Chico.  

Ou seja, todos os eventos climáticos que ocorrem nos outros continentes estão relacionados ao que acontece no Polo Sul. E é isso que os Criosfera 1 e 2 irão demonstrar através do monitoramento remoto que fazem no gelo. Até o momento tem provado uma relação cada dia mais direta entre o clima do polo Sul e o Brasil, por exemplo.

“Nós temos estudos que demonstram que temporais extremos em Porto Alegre, quando analisamos a composição da água, ela é totalmente do Mar de Weddell. É como se eu tivesse coletado a chuva de onde está o Criosfera 1 e 2 e trouxesse para cá”, afirma o cientista, da capital gaúcha.

Um fenômeno que, segundo estudos, está diretamente relacionado com o fato da América do Sul estar mais quente (devido a queimadas, estiagens e a um cerrado mais seco), algo que faz os rios voadores da Amazônia (correntes de umidade que regulam as chuvas na América do Sul ) gerarem jatos cada vez mais rápidos e por tabela mais tempestades severas.

O clima alterado do continente antártico libera ondas de frio sobre o continente sul americano mais intensas. O choque dessas ondas com o calor aumentado da América do Sul gera eventos extremos, como chuvas torrenciais e ciclones. 

No fim de 2022, o interior da Antártica apresentava temperaturas iguais às típicas de inverno no platô polar. “Esse frio atrasou a chegada do verão no interior do continente, o vórtice polar e o buraco na camada de ozônio estava muito grande, e tudo isso gera o frio fora de época que boa parte do continente experimentou nos últimos meses do ano”, fala o cientista.

Termino este texto e continua atípicamente frio em São Paulo. Enquanto isso, ao chegarem no Criosfera 1 os cientistas detectaram temperaturas acima do normal para a época. Uma história de eventos fora do comum que iremos seguir contando aqui nos próximos capítulos.

Galeria de Fotos: Criosfera 2

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