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O Conselho de Segurança da ONU e o último relatório do IPCC

Para ir além das recomendações dos três volumes do 6° Relatório do IPCC, há três pontos essenciais que precisam ser endereçados a nível internacional para superar esse desafio. Conheça quais são eles.

Avançando além das recomendações dos três volumes do 6o Relatório do IPCC – ONU sobre a Emergência Climática lançados este ano, sendo o último nesta segunda-feira, existem três pontos essenciais que precisam ser endereçados a nível internacional para superar esse desafio, é preciso: (1) retirar o controle da indústria do petróleo sobre o IPCC; (2) criar um 4o grupo de trabalho adicional aos três já existentes dedicado a soluções interdisciplinares e com grande foco nas cidades e áreas urbanas e; (3) que o Brasil, Índia e África do Sul (IBSA) liderem a criação e desenvolvimento desse grupo globalmente e, especialmente, no Mundo Majoritário (América Latina, África e Sul da Ásia), onde vivem 83% da população mundial. Uma vez estabelecido esse arranjo, os mesmos devem então tornar esse esforço parte de sua articulação para seu ingresso no Conselho de Segurança da ONU (CSNU) como parte da urgente reforma do mesmo, e fazer um grande serviço para transição climática: tratar de uma vez por todas a questão da Emergência Climática como a crise de segurança internacional que a mesma é. 

No que se refere ao primeiro objetivo, é mais do que a hora de acabar com incongruência que é a presença quase que onipresente da indústria do petróleo no IPCC, principalmente, no 3o grupo, justamente o responsável pela diminuição das emissões. Os dois primeiros grupos são referentes à ciência do clima e seus impactos. É decisiva a necessidade de excluir o que vem a ser esse “quarto grupo das sombras” da indústria do petróleo, gás e carvão que já existe e dominou historicamente a montagem da narrativa, financiamento das pesquisas nas universidades, a organização do IPCC e as negociações climáticas desde a Eco 92 até o último relatório. 

É chocante que de 1998 até 2007 o WG III (grupo de trabalho 3), tenha sido liderado por Brian Flannery, um ex-modelista climático e alto executivo da Exxon, uma das maiores petroleiras do mundo. Empresa essa que liderou a cruzada -científica onde tentou-se “mover ao máximo a discussão da pesquisa climática para criar dúvidas sobre a mudança climática”, como bem colocou a jornalista Amy Westervelt em reportagem. Houve de 1972, o ano dourado do ambientalismo quando ocorreram a Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente Humano em Estocolmo na Suécia e a criação da Agência de Proteção Ambiental nos EUA, para a Eco-92 no Rio uma mudança brutal do tom de regulação pública para o comprometimento, no mal sentido de relaxamento, para com as demandas da indústria do petróleo. Esse movimento foi crucial pois foi na Eco 92 que foi criado o importantíssimo United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCC) que culminou na criação do IPCC e seus relatórios. Claro, que a essa altura a indústria do petróleo já estava entranhada nos fóruns de pesquisa e decisão em todos os acordos climáticos desde então. Mais do que nunca, precisamos de um quarto grupo que busque soluções e não que as evite a todo custo.

O 4o grupo que precisamos é um de soluções que realize e fomente o mapeamento, criação, compartilhamento e acompanhamento de soluções interdisciplinares. O desenho institucional necessário seria um em que esse grupo seja vinculado aos ministérios de Meio Ambiente dos países e que seja formado por, além de lideranças políticas e diplomatas, fundamentalmente, por fazedores de políticas públicas, desenhadores urbanos e de território-paisagem, profissionais das ciências naturais, das áreas de tecnologia de hardware e de software, de economistas, especialistas jurídicos, empreendedores de companhias de sustentabilidade e resiliência e comunicadores. Conhecimento, práticas e pessoas só se integram de verdade em projetos concretos e não em propostas abstratas sujeitas a manipulação de lobistas. Desenvolver, escalar e aprofundar essas soluções em projetos concretos deve ser a função primordial desse grupo. 

É essencial ressaltar também o foco que deve ser dado a transição climática nas cidades e áreas urbanas, responsáveis por ⅔ das emissões como demonstrado no Volume 3 do 6o Reporte do IPCC. Realizar transformações estruturais, e não apenas mitigação, é crucial em prol de desenvolver a sustentabilidade, resiliência e integração urbana. Nesse sentido as lideranças municipais ganham mais importância e devem clamar por mais protagonismo por meio de rearranjos dos pactos federativos e das uniões nacionais ao redor do mundo. Se as cidades e áreas urbanas são responsáveis pela maior parte das emissões e é nelas que as pessoas vivem, sofrem e sonham, deve ser lá também onde têm de estar a capacidade institucional, os recursos e os mandatos políticos para superar os desafios existentes desde a Emergência Climática até futuras pandemias. Exemplos fundamentais para a materialização desse conceito são o URBAM Centro de Estudios Urbanos Ambientales de la Universidad EAFIT de Medellín, fundado pelos criadores do Urbanismo Social, A URA (Autoridade de Redesenvolvimento Urbano de Singapura) e o Departamento de Planejamento Urbano de Amsterdam. 

É também inevitável endereçar que o relatório do WG II do IPCC – ONU foi apresentado em meio ao começo da guerra na Ucrânia. Uma injustificável violação da soberania de outro país pela Rússia e um fracasso da diplomacia e política da mesma, do Ocidente e das lideranças ucranianas. Isso torna o que já era difícil, realizar a transição climática, ainda mais complicado mas ainda completamente possível. A certeza é que estamos num momento de decisão: ou substituímos nossa matriz energética por uma sustentável que beneficie também a geopolítica dos países mais interessados na paz do que na guerra ou teremos o último grande boom dos combustíveis fósseis, petróleo, gás-natural e carvão, junto a uma escalada militar que continuará dependente de energia suja, ou seja, petróleo, gás, carvão e energia nuclear, no pior momento possível para isso acontecer na nossa história. 

Em meio a esse desafiador contexto, o papel do Brasil mais do que nunca é assumir a liderança da transição climática como a superpotência ambiental que é e buscar a integração dos demais países por meio de projetos e iniciativas concretas que sejam capazes de desenvolver e fortalecer dinâmicas pacíficas coordenando a proposta de criação e o desenvolvimento desse 4o grupo de Soluções do IPCC, que ao invés de “Mitigação Climática” deveria ser um grupo de “Resolução Climática”. Uma coisa é certa, a Emergência Climática não vai nos dar um cessar fogo e enquanto alguns países do norte continuam na sua lógica de acumulação de poder e riqueza a qualquer custo nós do Mundo Majoritário temos que cuidar de nós mesmos e do mundo pois a conta maior a ser paga continuará caindo sobre nós independente da responsabilidade por isso. 

Para desempenhar este papel nesse esforço hercúleo junto ao Brasil estão melhor posicionados a Índia, apesar de seus problemas de desenvolvimento e proporcional maior dependência em energia fóssil, e a África do Sul. Nossos três países são grandes economias, potências geopolíticas de nossos continentes, nações democráticas, multiétnicas, multiculturais, multi-lingüísticas e multi-religiosas. Além dessas características compartilhamos maiores similaridades em relação aos nossos momentos históricos de desenvolvimento, potenciais e desafios do que em relação ao norte. Uma solução econômica, social ou ambiental é muito mais adaptável entre nós e juntos já possuímos muitas experiências poderosas capazes de serem escaladas e aprofundadas não só nos nossos três países como também nos nossos três continentes e suas cidades, áreas rurais e de floresta prestando assim um serviço inestimável de transformação na transição climática para a maioria da população mundial. Felizmente, já existe uma organização que pode e deve ser o instrumento dessa iniciativa, o IBSA. Fundado pelo presidente Lula e o chanceler Celso Amorim em 2003 em Brasília com seus pares sul-africanos e indianos, o IBSA visa justamente fortalecer o desenvolvimento dessas três nações em conjunto e servir como base para uma cooperação ativa, altiva e solidária entre os países do Mundo Majoritário e do mundo rico.  

Outro ponto fundamental para superação da Crise Climática e para o fortalecimento da paz mundial é tratar a urgência da transição climática, tanto em termos de sustentabilidade como de resiliência, como uma questão de segurança internacional. Eventos extremos cada vez mais constantes como secas prolongadas, enchentes, incêndios e o aumento do nível do mar entre outros vão aumentar o risco da escalada de conflitos devido a disputa por recursos naturais como a água, por exemplo, além de levar a migrações em massa nacionais e internacionais, aumentando as tensões regionais. 

Uma vez que o Brasil, Índia e África do Sul liderem efetivamente e em colaboração o processo de solução desse imenso desafio que é a transição climática nos seus continentes e no mundo, uma demanda em conjunto por parte dos mesmos para reforma do Conselho de Segurança da ONU toma não só mais força como também torna-se ainda mais necessária. Liderar a superação da Emergência Climática com forte descarbonização global até 2030 pela nossa sobrevivência e pelo processo de reforma do Conselho de Segurança da ONU para que o mesmo torne-se multipolar e fortaleça a paz mundial são as duas medidas mais urgentes junto a diminuição da desigualdade global. Nesse contexto, os países membros do IBSA são não só os mais bem posicionados para liderarem esse processo em nome da maioria da população mundial como também são os mais demandados diplomaticamente pelas nações vizinhas para assumir essa liderança.

Precisamos resolver nossos problemas sem esperar o financiamento dos países ricos para realizar a transição climática necessária, ainda mais agora com outra militarização das relações internacionais e seus custos decorrentes, e assim apontar o caminho que o mundo deve seguir. Um grande desafio mas sem dúvida alguma uma grande oportunidade de desenvolvimento e cooperação entre nós. Hoje, a superação da Emergência Climática é não só uma urgência transnacional, ela pode, e deve ser também, um caminho para por meio da integração dos países na superação de um desafio comum alcançar a paz e tornar o mundo um lugar de fato mais justo com a reforma do Conselho de Segurança da ONU por meio da liderança do Brasil, Índia e África do Sul.

Pedro Henrique de Cristo, Coordenador do NAVE – Novo Acordo Verde, polímata, é professor-visitante de políticas públicas, desenho urbano e arquitetura na Universidad Eafit-Urbam, em Medellín, e na Universidad Diego Portales (UDP), em Santiago. MPP’11 Harvard Twitter: pedrohdcristo Instagram: Pedro Henrique de Cristo

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