Foto: Um dos Laboratórios Criativos da Amazônia (LCA), uma biofábrica desenvolvida pelos irmãos Carlos e Ismael Nobre como parte do projeto Amazônia 4.0 que é a grande aposta destes para criar uma bioeconomia, com lógica de mercado, capaz de manter a floresta em pé. Os primeiros quatro LCA vão atuar nas cadeias produtivas de amendôa de cacau e cupuaçu no coração da Amazônia com comunidades locais diversas;
Apesar de todo retrocesso dos últimos 5 anos, o Brasil é o país melhor posicionado para liderar a transformação mundial verde por suas vantagens competitivas de diversidade humana, imenso capital natural, status de pólo tecnológico do hemisfério sul, pluralismo geopolítico e baixos níveis de emissão por habitante e em relação ao PIB per capita. Uma grande diferença de agora para 10 ou até 5 anos atrás que deveria servir ao nosso favor é como o capital mundial vem entendendo progressivamente que o custo da inação climática é muito maior do que o da transformação verde. Como bem demonstrado há alguns dias pelo ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do BNDES, Joaquim Levy, hoje uma das principais preocupações dos investidores estrangeiros para investir no Brasil não é o teto de gastos ou a reforma administrativa e sim a taxa de desmatamento da Amazônia.
Temos tomado o caminho contrário invertendo a trajetória de diminuição do desmatamento que chegou às suas menores taxas no governo Dilma depois de cair brutalmente no governo Lula. Atualmente, devido a política anti-ambiental primitiva do governo Bolsonaro, perdemos investimentos, suspendemos o fundo soberano da Amazônia e intensificamos a destruição da maior floresta tropical do mundo chegando a recordes históricos. Isso tudo custa dinheiro para o nosso país e para o mundo. Segundo o instituto Clima Info em torno de R$ 218 bi até 2050 e se usarmos os mesmos parâmetros da BlackRock, umas das maiores gestoras financeiras do mundo, a inação climática custará 25% do PIB mundial só nos próximos anos. O quadro de previsões seria ainda pior se os economistas fizessem a fatoração devida nos seus modelos de previsão acerca do custo da Crise Climática, a maior falha de mercado da história da humanidade, nas vidas das gerações mais jovens e futuras (Stern, Nicholas).
No caso do Brasil, segundo Levy, os investidores voltariam a se sentir atraídos se reduzíssemos o desmatamento aos níveis de 2012, em torno de 4,5 mil km2/ano, ao contrário dos exorbitantes 11 mil km2 registrados em 2020 (BBC). Sabemos que mais é preciso e que mediante o fato de que a Amazônia hoje emite mais carbono do que consegue capturar enquanto sofre gradativamente com o processo de savanização, previsto por cientistas como Carlos Nobre, precisamos zerar o desmatamento, mas esse é um bom começo dessa nova relação do mercado com o meio ambiente. O trágico governo Bolsonaro tem atacado a saúde da natureza do nosso país, e por conseguinte do mundo, como tem atacado a saúde do nosso povo durante a pandemia. Tudo isso enquanto vivemos uma inédita expansão de investimentos em tecnologias e negócios verdes e o maior desinvestimento em relação à indústria do carbono a uma velocidade galopante no mercado global.
Na área tecnológica, a proporção mundial de criação de patentes referentes a tecnologias como baterias para energia solar e mobilidade elétrica, hidrogênio verde, smart grids e tecnologias relacionadas à água tem apresentado níveis de progressão muito superiores ao de outras áreas. A previsão global de investimento para transição energética este ano é de U$ 500 bi comparados a U$ 250 bi em 2010. Para se ter ideia da tendência atual de alinhamento de investimentos com sustentabilidade, entre 2013 e 2020 a taxa de financiamento de start-ups de tecnologias verdes tem crescido a uma taxa 5 vezes maior que a geral. Só nos EUA, o ninho do capitalismo global, os investimentos dessa natureza estão projetados para subir de U$ 36 bi em 2020 para U$ 60 bi em 2021 (Bloomberg).
No que se refere ao desinvestimento da indústria fóssil, a mudança de referência fortalecida recentemente por Harvard neste propósito com o desinvestimento do seu endowment aliado a pressão de ativistas locais por todo mundo tem causado ondas gravitacionais nessa direção, tanto que a ABP, fundo de pensão de origem holandesa que é o maior da Europa, anunciou que vai desinvestir seus U$ 17.4 bi aplicados em ações de empresas que trabalham com combustíveis fósseis para investir de preferência em negócios e tecnologias verdes até 2023.
Então, o que precisamos fazer para pegar essa onda em tempo e surfá-la da melhor maneira possível, liderando assim a luta contra o desafio existencial do nosso tempo enquanto nos tornamos finalmente um país rico, bem educado e com distribuição de renda justa? Temos que inovar e liderar o mundo nessa transformação verde. Os primeiros três passos para isso acontecer são (1) zerar o desmatamento da Amazônia, (2) colocar em prática um projeto massivo de regeneração da mesma nos moldes do que está sendo feito no Sahel na África, a região e amortecedor verde entre o deserto do Sahara e a África Tropical, e (3) colocar um preço no carbono (impostos) enquanto criamos incentivos econômicos para o desenvolvimento de negócios verdes e tecnologias sustentáveis para chegar de facto a uma economia de emissão zero na fonte e não de balanço zero de emissões (net zero).
Para que fique claro, o conceito de emissões net zero é baseado nas ideias de offsets e carbon capture (captura de carbono). Offsets consiste em criar meios de absorver carbono naturalmente (plantar árvores, etc) para cada nova parcela de emissões aumentada, um conceito simplório que desconsidera todas as dinâmicas dos sistemas complexos que regulam o clima e os biomas que ajudam o seu equilíbrio. Já carbon capture se refere a tecnologias de captura de carbono que permitiriam a indústria fóssil (carvão, gás e petróleo) manter seu domínio e expansão na economia global, o que tem se provado um dos maiores fiascos já vendidos pelos mantenedores da Crise Climática como solução. Vale à pena conferir o caso emblemático da desastrosa usina Kemper, que custou U$ 7,5 bi, não funciona e tem causado danos ambientais e humanos à população majoritariamente negra e pobre de Kemper County no Mississipi, EUA.
Tendo em conta que a maior fonte de emissões de carbono no Brasil advém das queimadas para abrir terra para o agronegócio, soluções como a agricultura de baixo carbono, exemplificada com louvor pelo MST-Movimento dos Sem Terra e que começa a ser testada pelas melhores cabeças do agronegócio são parte verdadeira do caminho a seguir para alcançar uma economia de emissão zero. Sistemas como o Pasto-Lavoura-Floresta desenvolvido pela EMBRAPA permitem o mesmo nível de produção agrícola com uso de montante de terra muito menor aos atuais e ótimos níveis de captura de carbono no solo. Outra grande referência é o projeto Amazônia 4.0 do já citado cientista Carlos Nobre que dá um passo a mais à frente com a criação das fundações de uma Bioeconomia na Amazônia e os outros biomas brasileiros com alto valor agregado e aplicação e desenvolvimento de inovações tecnológicas.
Tão importante quanto o fator ambiental, é que, essas alternativas sustentáveis tem uma capacidade muito maior de democratização dos lucros e demandam a criação de muitos empregos verdes sendo bem mais capazes de fomentar o alcance dos níveis de inclusão social que precisamos para nos tornar uma país justo, rico e desenvolvido.
Soluções como uma moratória da carne, assim como foi feito com a soja, onde o produto é monitorado e se tiver origem em área desmatada não pode ser comercializado são importantes mas o que tem a real capacidade de mudar a nossa realidade ambiental, social, econômica e tecnológica é investir fortemente em incentivos econômicos como linhas de crédito e isenções fiscais para agricultura de baixo carbono, negócios verdes e tecnologias sustentáveis aliadas a investimentos transformadores no nosso sistema educacional e um projeto com estratégia clara e métricas para, como citado por Levy recentemente, “focar no que precisamos fazer e desenvolver em coisas que a gente possa liderar.” Assim como o Brasil surfou da maneira certa na onda das commodities na década de 2000-2010 diminuindo a desigualdade, o caminho para que possamos dar o próximo salto é surfar a onda verde que se formou para a década em que estamos e transformá-la na estória de superação e crescimento do século 21.
Pedro Henrique de Cristo, Polímata, é professor-visitante de políticas públicas, desenho urbano e arquitetura na Universidad Eafit-Urbam, em Medellín, e na Universidad Diego Portales (UDP), em Santiago. MPP’11 Harvard
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