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Fervura no Clima e uma ilustração de usina termelétrica sendo desativada.

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Calor para acordar na Índia e no Paquistão

Temperaturas em níveis inéditos para essa época do ano assolaram a Índia e Paquistão na última semana, gerando graves problemas de saúde pública como incêndios em aterros sanitários e crises de falta de água e energia.
Fervuranoclima explica a onda de calor na Índia
Mapa da Índia mostra as ondas de calor recente

Temperaturas em níveis inéditos para essa época do ano assolaram a Índia e Paquistão na última semana, gerando graves problemas de saúde pública, desde o aumento de internações e incêndios em aterros sanitários, e crises de falta de água e energia. Ondas de calor são fenômenos maiores que 40C onde a média de temperatura é 4C maior que o normal. De acordo com o Departamento Meteorológico da Índia, a temperatura chegou a 47,1C na cidade de Bikaner (800 mil hab) no Rajastão, noroeste do país, enquanto em áreas rurais e desabitadas da mesma região, mais precisamente no sudeste e sudoeste de Ahmedabad, cidade de 8.25 mi de hab, a temperatura do solo chegou a estrondosos 65C de acordo com a Agência Espacial Européia. É muito calor. 

A demanda por energia foi drástica, e na última sexta chegou ao pico de todos os tempos no país ao alcançar 207,111MW, de acordo com o governo central. Como resultado desse intenso aumento de demanda a Índia está sofrendo a maior crise elétrica do país nas últimas seis décadas onde os apagões de energia estão durando em média 8h de maneira imposta pelo governo principalmente nos estados de Jharkhand, Haryana, Bihar, Punjab e Maharashtra enquanto o fornecimento de carvão local caiu a níveis críticos e o preço internacional dessa commodity fóssil tem aumentado vertiginosamente. Para se ter ideia da crise, a Cia Ferroviária da Índia cancelou mais de 600 viagens de passageiros e cargas para transportar carvão para termelétricas, um dos tipos de energia mais suja que é a base da matriz energética indiana e só piora o problema no médio e longo prazo 

Já no vizinho Paquistão a temperatura na cidade de Turbat, 200 mil hab, chegou a 49C e de acordo com as autoridades locais a tendência é piorar desde que o período mais quente do ano ainda não chegou. Foi em Turbat que se registrou a temperatura urbana mais alta do mundo, ano passado, registrando absurdos 54C.

No centro e noroeste da Índia e no Paquistão, nada menos do que 1.5 bi de pessoas, ou seja, 20% da população mundial, está sofrendo com esse maçarico de larga escala 2 meses antes da chegada do verão. Os impactos são sistêmicos e intensos. Na Índia, a produção agrícola de grãos, frutas e verduras caiu em 50% nas áreas mais afetadas, pressionando ainda mais o preço desses produtos em conjunção aos efeitos da guerra na Ucrânia. No distrito de Mustang, no Baluchistão, Paquistão, a produção de maçãs e pêssegos características da região foi simplesmente dizimada, enquanto a população está enfrentando apagões de energia de 18h e o governo se mostra incapaz de ajudar enquanto reitera que essa é a primeira vez que fenômeno de tal intensidade ocorre no país.  

Como bem colocou Sherry Rehman, a Ministra do Clima no Paquistão, o país está enfrentando uma crise existencial com emergências climáticas sendo sentidas do norte ao sul da nação asiática. Para se ter ideia da escalada de problemas da situação, os glaciares na sua região norte estão derretendo numa velocidade sem precedentes colocando milhares de pessoas em risco de serem pegas por enchentes relâmpago ao mesmo tempo que as reservas de água estão evaporando nas principais represas do país. 

O que está acontecendo na Índia e no Paquistão é um aviso para o mundo, esse calor é para acordar. Essas crises, inimagináveis há poucas décadas, só vão aumentar em escala e intensidade e a Crise Climática não é mais um risco futuro, é uma brutal realidade como declarou a Organização Meteorológica Mundial. Nas palavras de Abhiyant Tiwari, professor do Instituto de Gestão de Desastres de Gujarat, “os efeitos de longa duração, extremos e frequentes, das ondas de calor não são mais um risco futuro. Eles já estão aqui e são inevitáveis.”O presidente Narendra Modi da Índia, alertou também para o aumento de incêndios generalizados pelo país devido ao aumento da temperatura, não apenas em aterros, o que já é terrivelmente comum, como também em áreas naturais e de produção rural. 

O calor está insuportável, especialmente para os mais pobres, como apontou o Dr. Chandni Singh, pesquisador do Instituto de Assentamentos Humanos da Índia e um dos autores líderes do IPCC-ONU. O desmatamento, o uso de energia fóssil e o crescimento urbano desordenado tornam a situação ainda mais difícil. Para a maioria das pessoas nesse contexto, que não tem condições de adquirir ar-condicionados e máquinas de esfriar água, é necessário apelar para soluções como enterrar água para manter sua temperatura ou passar casca de manga na própria pele como isolante térmico. Esse fenômeno, intensificado pela Crise Climática, tem como principais sintomas nas pessoas tonturas e desmaios devido a desidratação, o aumento de batimentos cardíacos, alergias de pele, tornozelos inchados como resultado do aumento da circulação sanguínea e suor excessivo como mecanismo de defesa para esfriar a pele e o corpo. 

Juntamente com a transição energética que é a medida decisiva de médio e longo prazo para re-equilíbrio do clima, as principais ações consistem em intervenções de Arquitetura, Desenho Urbano e Desenho de Território-Paisagem para questões de resiliência, contenção de umidade e controle do clima urbano. É necessário intervir em todas as escalas, desde a arquitetura mudando os tetos de latão de muitas escolas até a realização de um verdadeiro processo de reflorestamento urbano de larga escala capaz de reduzir a temperatura urbana entre 4-6C por exemplo. É fundamental também uma reforma trabalhista que contemple a impossibilidade, e até desumanidade, do trabalho em tais circunstâncias que, infelizmente, só ficarão cada vez mais assim. A situação de saúde pública nesse contexto está tão crítica que para além das terríveis mortes se torna impossível recuperar o próprio corpo do calor para muitos até mesmo à noite

Eleni Myrivili, Diretora de Gestão do Calor da Cidade de Atenas na Grécia e Professora da Universidade do Egeu, definiu da melhor maneira, “o calor é o mais mortal dos extremos climáticos, ele só mata mais devagar.” Seu trabalho ganhou ainda mais importância em 2021, quando as temperaturas subiram até 45C na região de Atenas e na Grécia inteira, gerando incêndios que produziram terríveis desastres e cenas apocalípticas como as das evacuações de ilhas no mar Egeu. Uma das propostas principais para lidar com o problema por parte de Eleni é dar nome ao problema, literalmente. A mesma defende, com muito bom senso, que nomeando as ondas de calor e criando uma metodologia quantitativa para classificá-las como se faz com os furacões poderemos lidar mais efetivamente com elas. Como a mesma coloca “não se entrega uma comida em meio a um furacão, o mesmo deve ser feito em relação a uma onda de calor.

Como escrevemos em coluna anterior do Fervura, “A natureza como infraestrutura urbana”, a arquitetura, design e fundamentalmente o desenho urbano e de paisagem-território aliados a tecnologia de modelagem para antecipação desses fenômenos são as soluções essenciais para controle do clima e umidade nas cidades, ou seja, cada vez mais para viabilidade da vida humana nas mesmas. Gradativamente, é preciso sintetizar a memória institucional de milhares de anos como as estratégias de circulação de ar nos edifícios com os projetos de modelagem na escala urbana e do território para fazer a vida viável nas condições climáticas de cada contexto. 

Concretamente, as soluções variam desde a reativação de aquedutos romanos de mais de 2 mil anos que com 20 km de extensão vão voltar a levar água das montanhas até o centro da cidade de Atenas até o reflorestamento urbano de áreas enormes em Medellín, em Antióquia na Colômbia, e a recuperação de rios e córregos junto a estes tipos de corredores em Seul na Coréia do Sul. Nessas duas cidades, nas quais trabalhei justamente nessas áreas, a integração do desenho urbano do espaço construído ao desenho do território-paisagem dos sistemas naturais é entendida como parte essencial do desenvolvimento dessas cidades aogra e no futuro. 

Em Medellín, sob a orientação do Centro de Estudios Urbanos Ambientales da Universidade EAFIT, o URBAM, onde sou professor, e que foi fundado pelos mesmos criadores do Urbanismo Social, o governo criou 36 densos corredores verdes de árvores. Já em Seul, a prefeitura liderou junto às universidades SKY (Seul, Korea e Yonsei) e a Bienal de Arquitetura e Urbanismo, SBAU, onde atuei como pesquisador e expositor, a transformação da via expressa Cheonggye nos anos 2000 para restauração de um córrego conectado ao Rio Han, que corta a cidade no meio, criando um corredor verde de 6 km. 

Os resultados têm sido impactantes, a temperatura na região de intervenção em Medellín caiu em 4C enquanto que em Seul em 5,9 C, além de aumentar resiliência contra enchentes, criar um novo espaço público e fortalecer a economia por meio do turismo nas duas cidades. Temos de realizar a transição energética o quanto antes para energias renováveis como a solar, H2V (hidrogênio verde) e em menor escala a eólica, mas temos de lidar inevitavelmente com os efeitos já causados pela Crise Climática. As soluções interdisciplinares já existem e são baseadas no desenho urbano e de território-paisagem junto a novas tecnologias. Agora, mais urgentemente que nunca, precisamos de cooperação entre os vários especialistas da transição climática entendendo e aplicando de uma vez por todas a natureza como infraestrutura urbana como política de larga escala por todo mundo e que as lideranças públicas e privadas levem a sério a verdadeira extensão desse fenômeno. Estamos vivendo um calor para acordar. 

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