Saiu hoje o 6o relatório de Avaliação e Estimativa do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU e as conclusões apesar de previstas são estarrecedoras. É fato que estamos afetando o complexo sistema climático global desde a segunda metade do século 18 e que esse processo tem se intensificado nas últimas quatro décadas, o que resultará num aumento de pelo menos 1,5C na média global desde os níveis pré-industriais (1850) até 2040 com variações extremas na amplitude climática, isso se cumprirmos o Acordo Climático de Paris e agirmos agora. O relatório realizado por um grupo notório de cientistas de vários países afirma objetivamente: “é inequívoco que a influência humana tem esquentado a atmosfera, os oceanos e a terra.”
Estamos colocando o mundo em fogo ao manter nosso vício em combustíveis fósseis. Entre os principais efeitos drásticos da Crise Climática, nomes importam, estão o aumento do nível do mar, o derretimento das calotas e glaciares polares, secas, enchentes, o esquentamento e acidificação dos oceanos e ondas de calor.
Piorando a situação estamos destruindo nossas florestas tropicais na Amazônia, Congo e Indonésia que são juntas, principalmente ao pólo norte, responsáveis pelo equilíbrio climático. Tais florestas, além de serem as maiores usinas de umidade do planeta, também são responsáveis pela transformação de CO2 em oxigênio (junto às cianobactérias dos oceanos) e pelo armazenamento do mesmo gás de forma impossível de ser replicada pela humanidade de forma sustentável. Triste ressaltar que pela primeira vez desde que as medições começaram a Amazônia já emite mais CO2 do que armazena e transforma devido ao enfraquecimento das políticas ambientais depois do governo Lula, processo esse que foi intensificado no criminoso ecocídio em curso pelo governo Bolsonaro. (https://fervuranoclima.com.br/colunistas/a-aguia-harpia-o-inep-a-pl2633-e-o-ecocidio-em-curso-no-brasil/)
Todos os governos concordam que algo deve ser feito mas o como e quando continuam uma incógnita frente a estrutura econômica global atual e a fraqueza da vontade política em relação aos fortes e organizados interesses do complexo industrial do carbono. O relatório vem em boa hora aumentando a expectativa e pressão por resultados concretos para a COP 26 (a conferência da ONU sobre a Mudança Climática) que ocorrerá de 31/10 até 12/11 deste ano na, por enquanto, fria e chuvosa Glasgow na Escócia.
Antes de entrar nas principais conclusões da nossa situação emergencial vale lembrar que o 1% mais rico da população mundial é responsável por mais emissões de CO2 e GHG (green house gases, outros gases de efeito estufa) do que os 50% mais pobres e que apesar de os países ricos serem os grandes responsáveis históricos pelo CO2 e os GHG acumulados na atmosfera 98% dos desastres climáticos têm ocorrido no países em desenvolvimento.
Já esquentamos o planeta 1,1C a mais do que em 1850 sendo que os últimos 5 anos foram os mais quentes nesses 171 anos. Entre os impactos mais alarmantes está o aumento do nível dos mares desde que 40% da população mundial vive em áreas costeiras ou no máximo a 100 km da costa. O nível de confiança estatístico para afirmar que a influência humana tem sido o principal fator de derretimento dos glaciares e calotas polares é de 90%. Se continuarmos sem agir e observando o ritmo atual de esquentamento global a migração em massa de 2,8 bilhões de pessoas até o final do século é uma possibilidade factível. Os oceanos têm sido elevados em torno de 20 cm desde 1900 sendo que a taxa de elevação triplicou nos últimos 10 anos. É importante ressaltar que mesmo mantendo o aumento da temperatura em 1,5C na série histórica um aumento muito maior do nível do mar, em torno de 2m não pode ser descartado, o que geraria impactos ainda maiores.
O cenário é crítico, sem dúvida teremos o aumento da ocorrência de eventos extremos em frequência, escala e intensidade mesmo com o aumento controlado da temperatura em 1,5C. Eventos extremos de aumento do nível do mar por exemplo que ocorriam uma vez por século num passado recente estão projetados para ocorrer pelo menos anualmente em mais da metade das localidades com medidores de nível das marés até 2100.
Avanços importantes na Paleoclimatologia, a ciência do clima natural no passado do planeta, têm trazido informações alarmantes. Para se ter uma ideia do problema que estamos enfrentando quando a atmosfera do planeta estava tão quente pela última vez quanto está hoje, em torno de 125 mil anos atrás, os níveis globais dos oceanos estavam provavelmente 5-10m mais altos e, há 3 milhões de anos atrás, quando as concentrações de CO2 eram similares às de hoje e as temperaturas eram entre 2,5C-4C maiores, o nível dos oceanos estavam 25m mais elevados que nos dias atuais.
As fontes de esquentamento climático induzidas pela humanidade são primariamente divididas entre o consumo de combustíveis fósseis, vazamentos na produção de gás natural, mineração de carvão e aterros, agropecuária e fertilizantes. Junto ao dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) é o principal gás responsável pela crise climática. Apesar de durar na atmosfera apenas uma pequena fração do que dura o CO2, o metano é muito mais eficiente, ou seja danoso, em aprisionar o calor na nossa atmosfera não permitindo que este seja refletido para o espaço. Os níveis de metano atualmente são os mais altos nos últimos 800 mil anos e é fundamental entender que a agropecuária junto ao setor de energia são as principais fontes de emissão desse gás.
Segundo Joeri Rogelj, diretor de pesquisa do Grantham Institute do ICL-Imperial College London e autor-líder do IPCC, este é o último relatório antes de que seja tarde demais para conter o aumento climático até 1,5C. Ano que vem teremos mais duas publicações essenciais por parte do IPCC, uma sobre os impactos específicos da Crise Climática e outra sobre potenciais soluções. Um dos temas principais a serem abordados será a Crise Hídrica a ser enfrentada por todo planeta e alarmada desde 2006 no relatório da UNDP, a unidade da ONU para o desenvolvimento, intitulado “Além da escassez: Energia, Pobreza e a Crise Mundial de Água”, o que gerará migrações humanas de larga escala e conflitos intra-nacionais e internacionais bem antes que o aumento do nível dos oceanos e do que a falsamente anunciada crise global do petróleo.
Como bem colocou o secretário-geral da ONU Antônio Guterres nós “estamos sufocando o planeta.” Somos a covid da Natureza e se continuarmos assim, o planeta vai vencer e o vírus, no caso nós, é que vai perecer. Os pontos de virada ou de não-retorno para o sistemas naturais e climáticos globais se aproximam a velocidade galopante como podemos observar na Amazônia e no Pólo Norte, que deverá ter um verão sem gelo até 2050.
Se tornam cada vez mais frequentes eventos extremos como os que temos assistido neste ano nas enchentes na China e Alemanha e nos cada vez mais dramáticos incêndios nos EUA, Austrália, Turquia e na Grécia, que produziu cenas mais extremas do que qualquer filme de ficção científica como a retirada dos habitantes das suas ilhas em barcas cercadas pelo fogo. Para chegar num acordo realizável os países ricos precisam pagar suas dívidas históricas e acertar um acordo de redução de emissões per-capita e não absolutas, se isso não acontecer estamos na mira da natureza para um Maracatu de Tiro Certeiro. Como na brilhante música de Chico Science e Nação Zumbi a Natureza está assim:
“…Não encosta em mim que hoje eu não tô pra conversa
Seus olhos estão em brasa
Fumaçando! (Fumaçando!) Fumaçando! (Fumaçando!) Fumaçando! (Fumaçando!)
Fumaça! (Não saca a arma não)
Arma não? (Arma não!) arma não? (Arma não!)
Já ouvi, calma!…”
E se continuarmos assim não vai adiantar pedir calma para o planeta:
“…Por que é de tiro certeiro, é de tiro certeiro
Como bala que já cheira a sangue…”
É agora ou nunca.
A hora de criarmos e executarmos um Novo Acordo Azul, Verde e Social é agora e esse será o artigo da próxima semana.
P.s. Aqui o 6o relatório do IPCC:
https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg1/downloads/report/IPCC_AR6_WGI_Full_Report.pdf
- P.s.1. O ataque do governo genocida e ecocida de Bolsonaro já retirou o último grande encontro climático do Brasil que foi transferido para o Chile e realizado na Espanha.
Pedro Henrique de Cristo