Nessa semana foi publicada pesquisa na Nature que traz a triste notícia de que a maior e mais poderosa águia do mundo, a brasileira e magnífica Águia Harpia, popularmente conhecida como Gavião Real, está tendo seu processo de extinção intensificado pelo desmatamento recorde em curso no Brasil e que é incentivado pelo governo federal.
Ao mesmo tempo que vivemos um já macabramente notório genocídio que estima-se já custou um excesso de pelo menos 400 mil vidas perdidas do total de 537 mil na pandemia do Covid-19 [Hallal, 2021] enfrentamos a sanha grileira, madereira e garimpeira do governo Bolsonaro e seus apoiadores num ecocídio que avança sobre a Amazônia e o Pantanal brasileiros.
No caso da nossa Águia Harpia, o animal que inspirou até a Fênix da série de livros e filmes Harry Potter, os co-autores da pesquisa Everton Miranda, professor da Escola de Ciências da Vida da Universidade de KwaZulu-Natal na África do Sul, e Carlos Peres, professor da Faculdade de Ciências Ambientais da Universidade de East Anglia no Reino Unido, verificaram que o desmatamento em curso está levando as Águias Harpias e seus filhotes a inanição. É sabido que se os animais do topo da cadeia alimentar não estão bem o seu ecossistema também não estará bem.
A Harpia tem sofrido no norte do Mato Grosso onde nos últimos 45 anos 35% da vegetação natural foi destruída. É importante ressaltar que estudos do cientista Carlos Nobre preveem que uma vez que chega-se a um nível entre 20%-25% de desmatamento, os ecossistemas amazônicos começam um processo de savanização o que os leva ao seu colapso e das populações humanas dependentes destes.
Precisamos salvar as Águias Harpia não só pelo seu valor intrínseco mas porque às salvando também estaremos nos salvando. Este é o conceito em que se baseia a proposta de constituição do crime de Ecocídio na Corte Penal Internacional como o quinto crime contra a humanidade, os quatro vigentes são o Genocídio, Crimes de Guerra, Crimes contra a Humanidade e Atos de Agressão.
Tanto o equilíbrio do clima global quanto a salubridade dos ecossistemas e populações amazônicas como o abastecimento de água do sudeste do Brasil e da América do Sul, que respondem respectivamente por 42% da nossa população e 70% do PIB do continente sul-americano, dependem do sistema dos Rios Voadores que na sua vez dependem da preservação da Floresta Amazônica.
Resumindo, quanto menos Águias Harpias, quer dizer que temos menos Floresta Amazônica, mais comunidades locais prejudicadas, Rios Voadores cada vez mais enfraquecidos e por conseguinte crises hídricas mais intensas e frequentes no Sudeste, CO e S do Brasil e SE da América do Sul. É incrível que se o desmatamento continuar nos níveis atuais até os próprios agricultores que invadem, desmatam e roubam terra de floresta pública irão ao colapso pela falta d’água.
O ecocídio em curso é concretizado de vez também essa semana quando o governo deliberadamente busca esconder e manipular os dados referentes a queimadas e desmatamento na Amazônia de forma descarada. A desfaçatez do governo é tanta que acaba de ser retirado o controle e divulgação dos dados sobre queimadas na Amazônia e Pantanal do INPE-Instituto de Pesquisas Espaciais e de serem realocados para o Ministério da Agricultura.
Simplesmente, o monitoramento e divulgação pública sobre o desmatamento na Amazônia é retirado do instituto governamental melhor capacitado e criado para fazer isso com um grupo de cientistas de altíssima qualidade e repassado para ser realizado pelo Ministério da Agricultura, composto neste governo pelos maiores beneficiados do processo de desmatamento e seus asseclas.
Para completar a tragédia humana e ambiental que vivemos, o governo e sua base de apoio composta de abusadores de direitos humanos, milicianos e grileiros tentam a todo custo aprovar a PL2633/2020, que criminosamente legaliza a grilagem histórica de terras ocorrida no Brasil, e principalmente na Amazônia, que foi realizado por meio do desmatamento das nossas florestas. Com o apoio de Bolsonaro e sua base, o presidente da câmara, o notório grileiro Arthur Lira, acaba de aprovar regime de urgência para a aprovação dessa legislação que legitima um assalto à luz do dia e premia aqueles que destroem nossa natureza e nosso país. Esse é o tamanho do problema que vivemos.
Enquanto não houver impeachment não haverá como fazer parar tanto o Genocídio do Covid-19 como o Ecocídio que vivemos. Enquanto a CPI da Covid-19 avança contra Bolsonaro, a boa notícia na luta pela defesa da natureza como defesa da humanidade é que recentemente foi concluída a proposta de reconhecimento do crime de Ecocídio como crime contra humanidade na Corte Penal Internacional-ICC. Se aprovada, esta será resultado do esforço de lideranças ambientais como o ex-primeiro ministro sueco Olof Palme, que foi o primeiro a propor a legislação em reunião da UNEP em 1972, e da inglesa Polly Higgins que mobilizou incessantemente a sociedade civil europeia nesse sentido.
Para nós brasileiros a implicação direta é que o desmatamento da Amazônia pelo governo Bolsonaro e seus ministros do Meio Ambiente foi um dos pontos de consenso entre acadêmicos, ativistas e governos no entendimento do que constituiria na prática um Ecocídio. Devemos cobrar o necropolítico governo e indivíduo Bolsonaro pelo genocídio em curso, pelas constantes tentativas de destruição da nossa democracia, abusos de direitos humanos, entreguismo do patrimônio público e pelo ecocídio realizado.
Com o avanço da CPI da Covid-19, as rampantes evidências que surgem sobre a corrupção bolsonarista e a abissal queda de popularidade do presidente da Morte, a nossa esperança se fortalece de que está passando o tempo de Bolsonaro, e está voltando a hora do povo brasileiro, da nossa natureza e da Águia Harpia.
Pedro Henrique de Cristo