Se você ainda não leu A máquina do caos: como as redes sociais reprogramaram nossa mente e nosso mundo, sugiro que dê um jeito de adquiri-lo o quanto antes. Nenhum outro livro me cativou como este nos últimos tempos.
Começa assim: “Entrar na sede do Facebook pode dar a sensação de que você está entrando no Vaticano: um centro do poder envolto em sigilo e opulência de causar rubor em oligarcas russos. A empresa gastou 300 milhões de dólares só no prédio número 21, um playground arejado de aço e vidro que visitei em 2018 e que tem jardins, terraços e restaurantes onde tudo é de graça.”
O autor do livro, Max Fisher, é repórter do jornal New York Times. Ele conta com aquela riqueza de detalhes e narrativas características das melhores publicações jornalísticas como as redes sociais mudaram –radicalmente– a cultura do nosso mundo. É uma história estarrecedora, de terror mesmo em alguns momentos. Facebook, Youtube, Instagram e outras viciam com técnicas parecidas com as das máquinas caça-níqueis de Las Vegas. E depois criam identidades – e engajamento– baseadas sobretudo na indignação e no ultraje. Isto talvez não lhe pareça tão surpreendente. Mas a história de como se formaram essas técnicas é fascinante e provoca todo tipo de emoções sociológicas e alguns temores pelo futuro.
Modelos de negócios de mídias distintas
Se, no século 20, o modelo de negócios da mídia tendia para o “bom senso” burguês, digamos assim, e o “centro” político, numa tentativa de vender publicidade para o maior espectro possível de anunciantes, com as redes sociais acontece algo bem diferente, quase o contrário. Descobre-se que quanto mais ódio e revolta maior a audiência e a fidelidade dela, maior o engajamento. E o jeito de gerar ódio, medo e revolta é radicalizar, sobretudo à direita e na baixaria.
Em alguns lugares do planeta o ódio impulsionado por redes sociais resulta em barbárie. Fisher conta histórias brutais, quase inimaginaveis, de genocídio em Mianmar, encaminhado por Facebook. Escreve o jornalista: “Em março de 2018, o diretor da missão de levantamento de fatos das Nações Unidas disse que sua equipe concluíra que as redes sociais, em especial o Facebook, tinham desempenhado ‘papel determinante’ no genocídio. As plataformas, disse, ‘contribuíram consideravelmente’ para o ódio que aniquilou o povo inteiro (de mulçumanos Rohingya)”.
Cito esse episódio tão triste e horripilante, e bem relatado no livro, porque atesta o poder de mobilização das redes.
No que diz respeito ao aquecimento global, nosso assunto neste site, as redes dão voz e espalham o negacionismo climático, de acordo com o autor. Antes disso, é bom lembrar, a mídia tradicional também se mostrara vulnerável à propaganda negacionista das indústrias de petróleo, gás e carvão, responsáveis pela maior parte do aquecimento. O chamado dois-ladismo, característica daquele modelo de jornalismo, muitas vezes dava pesos equivalentes para os cientistas, por um lado, que passam décadas recolhendo informações em pesquisas sujeitas a controles rigorosos, e os lobistas e relações públicas dos combustíveis fósseis, do outro, cujo objetivo é apenas defender seus clientes. Essa fragilidade da técnica jornalística, conhecida como “falsas equivalências”, foi explorada pelos lobistas e deixava muitas vezes os leitores e telespectadores incautos sem saber o que pensar sobre o aquecimento global. (Para mais informações veja os livro e filme já clássicos e traduzidos para o português, Os mercadores da dúvida, de Naomi Oreskes e Erik M. Conway).
A partir das redes sociais, explica Fisher, na segunda década do século 21, isso muda. O negacionismo passa a ser empacotado com a identidade política e espalhado com veemência. Se entendi direito o livro, o vilão mor, neste caso, é o Youtube, empresa da Alphabet, dona também do Google. Narrando os passos de um estudioso que trabalhou na empresa, Fisher conta: “O que encontrou o deixou alarmado. Quando (Chaslot) procurou o papa Francisco no YouTube, por exemplo, 10% dos vídeos que o site exibia eram de conspirações. Sobre aquecimento global, eram 15%. Mas o choque de verdade aconteceu quando Chaslot seguiu as recomendações algorítmicas do que assistir depois, que segundo o YouTube representa a maior parte do tempo assistido no site. Um número assustador –85%– de vídeos recomendados sobre o papa Francisco era de conspirações, que afirmavam a identidade ‘real’ do pontífice ou alegavam expor complôs satânicos no Vaticano. Quanto ao aquecimento global, o número era de 70%, geralmente rotulando-o de farsa.”
Não é fácil defender a verdade do aquecimento diante de tamanho negacionismo. Quem busca informações muitas vezes fica em dúvida. Batalho na frente climática, como jornalista, desde antes das redes sociais, com passagens por veículos como a National Geographic Brasil e o Planeta Sustentável, da Editora Abril, sem falar de Fervuranoclima e de um livro meu dedicado ao assunto: Emergência climática: o aquecimento global, o ativismo jovem e a luta por um mundo melhor. Apesar disso, um aluno de faculdade me contou que dois cliques depois de colocar meu nome no buscador de Youtube, ele foi levado pelas recomendações para um mar virtual de negacionismo climático… Os algoritmos de Youtube, explica Fisher, são aperfeiçoados para gerar engajamento. E isso acaba levando o internauta para o negacionismo. Setenta por cento do que o Youtube recomenda sobre aquecimento global é falso, de acordo com o autor, como citei acima.
Leia A máquina do caos. Traz, ainda, um capítulo fascinante que responsabiliza as redes sociais pela vitória de Jair Bolsonaro em 2018. Garanto que sua visão do mundo e das redes e da liberdade de expressão será uma antes e outra depois deste livro. Como se não bastasse, é gostoso de se ler.