Fervura no Clima e uma ilustração de turbina eólica.

#FervuraNoClima

INSPIRAÇÃO PARA ENFRENTAR O AQUECIMENTO GLOBAL

Fervura no Clima e uma ilustração de usina termelétrica sendo desativada.

O Relógio
do Clima!
SAIBA MAIS

Precifique Djá! – A hora é agora para tributar o carbono

Por Julio Lamas

 

Se você leu o título deste texto com a voz do astrólogo Walter Mercado, agradeço, pois é a intenção. Afinal, ninguém melhor do que ele para vender a ideia de imediatismo que o tema, a precificação do carbono, exige para o combate às mudanças climáticas neste momento. E, de fato, precificar o carbono é indiscutivelmente o elemento-chave para alavancar “djá” as transições econômicas, tecnológicas e energéticas necessárias ao alcance das metas do Acordo de Paris e evitar a fervura no clima.

 

Mas, se por um lado, o tempo urge, por outro, não vamos abordar isso como algo a ser precipitado sem as devidas ponderações. Embora pareça algo fácil, como simplesmente chegar a um valor base para emissões geradas, evitadas ou compensadas pelas atividades produtivas, há diversas discordâncias quanto a sua melhor formatação (taxação ou comércio internacional de emissões), aos modelos dos mercados (voluntários ou regulados) e às metodologias de mensuração e verificação (como é auditada a compensação equivalente de um crédito de carbono, por exemplo?). Por isso, esta não será a última vez que você lerá sobre o assunto na minha coluna nas próximas semanas.

 

Taxando o carbono

 

Para entender melhor, é preciso voltar ao começo da história. A necessidade de dar um preço às emissões de CO₂, calculando o custo ambiental e social da sua contribuição ao aquecimento global, ou externalidade negativa, não é exatamente novidade. Vem de antes do Acordo de Paris e seu artigo 6, no qual a questão do valor do carbono é central. Na verdade, ela se tornou evidente ainda na década de 1970, quando William Nordhaus, Nobel de Economia em 2018, integrou a modelagem de análise macroeconômica à modelagem climática, recomendando a adoção de políticas de controle às emissões de gases de efeito estufa como imprescindível para viabilizar a sustentabilidade de gerações futuras no planeta. 

 

A sugestão do professor de Yale em precificar o carbono era fazer isso por meio da tributação das emissões geradas, por exemplo, com a criação de um imposto vinculado às atividades de produtores e importadores de combustíveis fósseis. No Brasil, algo quase parecido com isso seria a CIDE (Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico), que incide sobre a gasolina e arrecadou R$ 76 bilhões entre 2002 e 2012. A diferença, porém, é que os retornos de arrecadação poderiam ser investidos prioritariamente em fontes de energia renováveis e alternativas, além de projetos de conservação de ecossistemas, ao invés de infraestrutura para transportes e a própria indústria de combustíveis. 

 

A perspectiva disso não é das piores, vamos combinar! Tanto que um relatório da Carbon Pricing Leadership Coalition (CPLC) e do Banco Mundial, assinado pelo também laureado Joseph Stiglitz e o renomado Nicholas Stern, defende a posição de um imposto crescente sobre o carbono, visando o alcance dos objetivos do Acordo de Paris. E, em 2019, um abaixo-assinado de 3.500 economistas americanos – com 27 laureados e 4 ex-presidentes do Federal Reserve entre eles – defendia a criação de um imposto sobre o carbono, gerando retorno direto à população na forma de “dividendos de carbono”.

 

Nos últimos 50 anos, com debates polêmicos e enorme resistência do lobby ligado à indústria dos combustíveis fósseis ou de setores dependentes dela, pode-se dizer que a precificação do carbono pela taxação pegou e não pegou, como sabemos, existindo de forma variada em cerca de 40 países (atualmente). No Japão, há, desde 2012, um imposto sobre o petróleo cru – calculado com base nos níveis de emissões –, cuja arrecadação é destinada ao financiamento da transição do país para energias renováveis. Na Dinamarca, um dos primeiros países a adotar a precificação, ainda em 1992, foi possível uma redução em 25% no total de emissões até 2010, segundo a organização Price On Carbon, a um preço médio de US$ 20 a tonelada de carbono. Na França, a precificação gera polêmicas desde 2009, mas acabou saindo em 2014, como um imposto sobre combustível, gás e carvão de aumento anual programado para residências e negócios. Por lá, a tonelada de carbono chegou a € 44.60 em 2018, e teria aumentado mais em 2019 e em 2020, não fossem as manifestações dos “coletes amarelos” contra o aumento da gasolina, que fizeram o presidente Emmanuel Macron recuar e suspender esse planejamento. 

 

Como nem tudo é perfeito, essa forma de precificação de carbono pela tributação dá pano para manga, gerando recorrentemente situações como a francesa. Nela, o preço é dado pelo governo e a redução das emissões é uma consequência. Neste sentido, o desafio político pode ser infernal apenas para serem acordados uma metodologia do cálculo do preço e uma aplicação que sejam socialmente justas, com diversas variáveis e pesos diferentes a serem considerados, caso de efeitos na balança comercial de certas commodities, na competitividade das empresas e na geração de empregos em alguns setores estratégicos – para além da cadeia de valor dos combustíveis fósseis, emissores de peso, como o agronegócio, a construção civil, a aviação e a siderurgia, deveriam ser taxados também, pelo menos em tese. Em outro ponto particularmente espinhento, a fiscalização especializada, para evitar declarações de emissões fraudulentas e sonegação, pode ser complicada de fazer também, acarretando no inchaço da máquina estatal, com a necessidade de mais órgãos e funcionários públicos, algo que um governo de tendências neoliberais dificilmente aceitaria. Sem falar no inevitável efeito cascata do aumento de preços em produtos e serviços, uma tecla bastante batida pelo mercado, que repassaria, invariavelmente, o valor da precificação do carbono aos consumidores finais.

 

Enfim, pensar a precificação do carbono eficientemente está atrelado a um entendimento sistêmico dos efeitos econômicos que ela desencadearia. De acordo com uma simulação, realizada para uma tese defendida na FEA-USP, um eventual imposto de US$ 80 sobre a tonelada de carbono no cenário tributário brasileiro de 2009, simplesmente aplicado e fora do contexto maior de uma reforma fiscal, resultaria em uma redução de 4,2% nas emissões no país. Todavia, ele teria um impacto direto traduzido na perda de bem-estar e no aumento das despesas das famílias, especialmente para as mais pobres. Dá pra fazer melhor que isso! Não faltam cases provando, como o da província canadense de British Columbia, onde um imposto sobre combustíveis fósseis existe desde 2008 e é possível pedir a restituição de crédito de até 154,50 dólares canadenses por adulto e 45,50 por criança. Para tornar ainda mais equilibrado e em conta, se você ganha menos de 20 mil por ano lá, está isento de qualquer imposto na província. (Aliás, há tantas condições de isenção no Canadá, que é um tanto polêmica a questão da eficiência no caso da British Columbia).

 

Pode ser viável?

 

É, sem dúvida, uma questão de vontade política e organização tributária das mais importantes, especialmente no Brasil, onde é evidente que faltam as duas coisas com Bolsonaro e os efeitos das mudanças climáticas – a exemplo da extinção de biomas, aumento na frequência de eventos climáticos extremos, crises na saúde pública, mudanças dos ciclos da chuva etc. – já têm impactos significativos na economia. Um imposto bem planejado sobre o carbono aqui não só poderia ajudar na correção das externalidades negativas das emissões na escala social, uma vez que os mais pobres são os mais afetados pelas mudanças climáticas, mas também colocaria o país em melhor posição para lidar com o desafio de estar inserido em um mundo que se transforma e nos pede para acompanhar. Economicamente, poderíamos ter fundos para investir na ampliação de tecnologias industriais verdes e fontes energéticas de baixo impacto, além da criação de programas de educação e capacitação técnica para formar a mão-de-obra que vai operá-las. Estratégica e diplomaticamente, nossa situação como líder e maior país do Mercosul seria mais vantajosa na negociação de um pacto econômico com a União Europeia, que demanda transparência e atuação vigorosa na agenda ambiental.

 

Além disso, da mesma maneira que a precificação do carbono como imposto poderia ser revertida em uma rede de proteção social aos mais pobres contra as mudanças climáticas ou em uma nova infraestrutura industrial, também poderia corrigir distorções/redundâncias fiscais e ser revertida na redução ou desoneração de outros tributos sobre bens, serviços, importações, exportações e folhas de pagamento, facilitando a negociação e eventual aceitação dos mais diversos setores produtivos. Inclusive, parte da arrecadação obtida com a taxação do carbono poderia ser utilizada em um fundo público dedicado à securitização de títulos e empréstimos de negócios verdes, sendo mais um fator de confiança para os investidores. Teoricamente, acreditem, nada disso é impossível. 

 

Como já explicou Bráulio Borges, economista-sênior da área de Macroeconomia da LCA e pesquisador-associado do IBRE/FGV, se tivéssemos estabelecido um imposto de US$ 25 por tonelada de CO2 em 2020, com aumento gradual até US$ 75 em 2029, o Brasil poderia gerar R$ 600 bilhões na próxima década. Não é o mesmo que os trilhões de dólares que serão jogados na economia americana na próxima década, dentro dos planos climáticos da administração Biden, mas já é muito mais que o US$ 1 bilhão que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pede para controlar o desmatamento da Amazônia e, relativamente, pouco menos que os R$ 800 bilhões poupados na Reforma da Previdência. Vale destacar que Borges, a partir de dados do FMI, dá um preço ao carbono abaixo da faixa entre US$ 40 e US$ 80 que, de acordo com o Banco Mundial, seria necessária ainda em 2020 para o alcance das metas negociadas no Acordo de Paris. 

 

Apenas para efeito de comparação e alguma reflexão, na Suécia, o preço da tonelada de carbono é de 1.190 coroas suecas (cerca de US$ 126), a mais alta taxação do mundo, e, de algum modo, eles conseguem equilibrar o fomento a uma economia extremamente competitiva com uma das melhores ofertas de bem-estar social que conhecemos.  No mesmo período, entre 1990 – quando é iniciada a precificação do carbono no país escandinavo – e 2019, o PIB per capita aumentou 50% e as emissões totais foram reduzidas em 27%.  E o preço é calculado pelo governo com base na média dos maiores emissores, a exemplo de grandes consumidores, importadores e distribuidores de combustíveis fósseis, incidindo diretamente sobre eles e sem ser (ironicamente) “socializado” por toda a cadeia. Pode-se dizer que também é uma questão cultural. 

 

 

Pode rolar ainda ou não?

 

Agora, se vai ter, ou não, a precificação do carbono no Brasil com a criação de um imposto, continua uma incógnita, pelo menos até que seja apresentada, debatida e votada a Reforma Tributária, conforme previsto para outubro deste ano. Em meio à pandemia da Covid-19, duas Propostas de Emenda Constitucional foram discutidas pelos parlamentares da comissão mista para a pauta, a PEC 45/2019, da Câmara, e a PEC 110/2019, do Senado. Em comum, e resumidamente, elas preveem a extinção de diferentes tributos federais e estaduais – IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS e a criação de um único imposto agregado para bens e serviços (IBS). Na estrutura de ambas, é previsto o mecanismo de um Imposto Seletivo, como os que são aplicados para tabaco e álcool, que poderiam ser igualmente aplicados para combustíveis fósseis com base em seu potencial de emissões, o que já é uma abertura para a discussão.

 

E não se trata de falta de tentativas para promover a pauta. Em paralelo, no ano passado, a Frente Parlamentar Ambientalista apresentou à comissão da reforma nove propostas para debate. Entre elas, a consideração de princípios socioambientais na reforma, a possibilidade de compensação para atividades que contribuam com o clima, o veto a incentivos fiscais para atividades intensamente poluidoras que é previsto da Constituição, inclusive e a reformulação da CIDE, citado no começo deste texto, para criação do que foi apelidado como uma CIDE-Ambiental ou CIDE-Carbono. Parece ótimo, claro, mas o problema é que, apesar de tudo isso, o Ministério da Economia, comandado por Paulo Guedes, ainda estuda como incluir a questão ambiental na reforma e tudo segue em um arrastado limbo. 

 

Para atrasar um pouco mais, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu extinguir a comissão na última terça-feira (5/4), no mesmo dia da apresentação de seu relatório, tornando inválido o que vinha sendo deliberado desde fevereiro de 2020 e não teve sequer pedidos de vistas ou sugestões de emendas. Agora, uma nova comissão, com novos membros e novas deliberações, deve ser constituída.  Será que eles não entendem que precisa ser para “djá” a precificação do carbono? Nem precisa do Walter Mercado para prever qual será o nosso destino, se não acelerarmos.

Assine nossa Newsletter

Nós Não Enviamos Spam!

    Parcerias

    aceleração

    You don't have permission to register