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Fervura no Clima e uma ilustração de usina termelétrica sendo desativada.

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Resiliência é Segurança

Só podemos viver e prosperar com segurança, não há segurança sem resiliência climática
Plano de urbanismo climático para a cidade de Cabrobó, Pernambuco

Chovia forte, pela primeira vez aquele barulho d’água caindo do firmamento que me trazia alegria como paraibano que cresceu com a permanente ameaça da seca, causava preocupação. Escutava as tolas sirenes da prefeitura na favela do Vidigal, Rio de Janeiro, bradando uma gravação que dizia: “Dirijam-se para um lugar seguro.” Olhei pela janela da minha casa e pensei comigo mesmo, “Que lugar seguro?” Era 2013, após erosões incomuns, havia acabado de observar em pesquisa com minha equipe que os padrões de chuva estavam mudando, com as precipitações se tornando mais esparsas e intensas, o pior cenário para a ocorrência de deslizamentos. Materializando os dados vi uma cachoeira capaz de levar até um adulto violentamente pelas íngremes escadas que ligam a área do Arvrão ao Biroscão na comunidade onde fui morar após a conclusão do meu mestrado nos EUA. Sempre vou lembrar do sentimento de que aquilo era só o começo da Crise Climática.  

Modelagem de riscos de deslizamentos de terra em Vidigal, Rio de Janeiro, acerta com precisão de 95%

Em 2011, havia feito minha tese sobre state building, construção de estados, a partir da integração, sustentabilidade e resiliência urbanas realizando pesquisa comparativa global e de campo nas áreas formais e favelas do Rio e Medellín. Entretanto, como coloca Immanuel Kant em sua obra seminal Crítica da Razão Pura, “Você só sabe daquilo que faz parte.” Como já havia pensado muito sobre nossas maiores áreas de risco urbanas, eu estava decidido a saber, vivendo e criando soluções no território com a comunidade em questão. Quando minha tese foi transformada em aula em Harvard alguns meses após minha formatura, pude então com mais recursos e liberdade me desligar da ONU, onde trabalhava, e me mudar para a favela.

Desde a pesquisa do mestrado até minha experiência no Vidigal, vi gradualmente a resiliência, especialmente a climática, se tornar cada vez mais importante no dia-a-dia das cidades e países em todos os continentes onde trabalhei. Lembro que em 2015, em Detroit, uma famosa crítica de arquitetura me perguntou no painel de um prêmio que meu estúdio e a comunidade haviam ganho pelo projeto do Parque Sitiê no Vidigal quando as pessoas acordariam para a necessidade e não superficialidade da ação climática. Com a experiência no morro carioca e do meu trabalho de campo em outras localidades viva na pele respondi que, infelizmente, isso só se daria por meio da resiliência pois ainda era de nossa natureza humana responder a graves riscos e não evitá-los. 

Agora, 11 anos depois daquela chuva e 9 anos depois dessa conversa, a percepção virou realidade para muito além da adaptação dos atletas para competir no calor extremo durante as olimpíadas de Paris. Com o agravamento da crise climática tivemos mais eventos extremos de chuvas, ondas de calor, incêndios e tempestades de 2021 a 2024 do que de 2010 a 2020 no Brasil e no mundo (INPE, et NASA). Em 2022, essa mudança radical de cenário e todos os esforços que realizamos no Vidigal dentro da estratégia RioLab transformados em realidade no Sitiê – 1a agrofloresta, parque urbano de gestão comunitária, e estrutura multifuncional de resiliência do Rio, da 1a Ágora Digital, equipamento de democracia participativa física e digital-, e no Modelo 4D de simulação de cenários climáticos urbanos, nos fez perceber junto a nossos colaboradores em Medellín, Santiago, Nova Iorque e Cidade do Cabo de que precisávamos evoluir o Urbanismo Social que transformou a citada cidade colombiana para uma nova estratégia urbana e estrutural capaz de unir integração à sustentabilidade e resiliência que denominamos Urbanismo Climático. 

Impactos climáticos no Rio Grande do Sul; fonte: Gov.Br

Com tantos desastres sucessivos tais quais a catástrofe ocorrida com as chuvas no RS, terríveis secas que assolam a Amazônia, região Centro-oeste, Oeste de SP e região Sul, incêndios no Pantanal e Cerrado, desertificação de parte do Sertão e destruidoras chuvas por toda costa de Mata Atlântica na grande escarpa brasileira era de se esperar que o entendimento do que é resiliência tivesse avançado no Brasil, principalmente no movimento ambiental tradicional, mas isso não tem ocorrido da maneira necessária. Muitas são as razões que resultam em críticas extremamente pertinentes e que travam o avanço da agenda climática, mas as principais são a insistência numa narrativa ambiental ultrapassada em todo o mundo, o foco demasiado em coisas e não pessoas e a falta de expertise por aqui. Assim é necessário questionar que:

  

(1) Lutar para acabar com o desmatamento e reflorestar é essencial, mas como todos já estamos exaustos de saber, sem transição energética, aposentando progressivamente o petróleo, gás e carvão globalmente, e sem a redução das emissões de metano da pecuária brasileira, responsável por 63% das nossas emissões de GHG, não adianta de nada. Infelizmente, tirando os cientistas, os principais atores ambientais brasileiros ainda não se desvencilharam dessa retórica majoritariamente conservacionista. Vale lembrar que ganhamos na última COP 28 um dos prêmios Fóssil do Dia

(2) Todos concordamos que é fundamental proteger os animais, plantas e todos os seres vivos mas não exercitar a mesma veemência e esforços na defesa das vidas das pessoas frente ao crescentes eventos extremos que já enfrentamos e teremos que perdurar por no mínimo mais 50-100 anos se fizermos tudo certo a partir de agora, chega a ser no mínimo estranho. Desde que 87% da população brasileira, e 75% da amazônida por exemplo, vivem nas cidades, prepará-las para proteger as pessoas é prioritário e; 

(3) Não adianta insistir no corporativismo dominante de nossas terras e chamar as  mesmas pessoas de sempre que não tem conhecimento do que é resiliência e como fazê-la ou amizades incipientes no tema, sem projetos realizados, para desenvolver algo tão complexo e urgente. O desafio é urgente e tão grande que há certamente trabalho e espaço para todos. Sem um projeto robusto de resiliência para o país há um risco muito grande de que o financiamento atualmente discutido seja extremamente mal feito;  

É preciso superar a narrativa incorreta, válida 15 anos atrás, de que seremos líderes climáticos sem transição energética, controle de emissões da agropecuária e urbanismo climático só por diminuir o desmatamento na Amazônia. Ainda mais enquanto este cresce no Cerrado e Mata Atlântica, nos afundamos no petróleo, com a insistência em perfurar até a foz do rio Amazonas prestes a receber a COP 30, e apanhamos cada vez mais a cada novo evento extremo nas cidades e no campo. Precisamos de subsídios para energia solar, não petróleo, e não podemos deixar a resiliência urbana ser tratada como mais um jargão presente em infinitos relatórios com informações de segunda mão recicladas e linhas de crédito que vão para mais projetos sem resultados. 

Agora que áreas importantes do país caminham para se tornar inabitáveis, sofrendo os terríveis efeitos da Crise Climática no mundo, criar resiliência real não é mais uma opção de longo prazo, é para cada vez mais gente e já muitos uma necessidade de sobrevivência de curto prazo. Se você ainda tem dúvidas é só dar um pulo no RS e observar o que a despreparação estatal causou às cidades e infraestruturas gaúchas enquanto o povo sofre e sente que da próxima vez vai ser pior. Então, o que é resiliência e o que podemos fazer?

Plano climático popular do prefeito Edmilson Rodrigues em Belém do Pará

Dois grandes professores que tive nos ajudam a formular o que é resiliência. Na aula “Inovação e Mudanças Climáticas” do saudoso cientista queniano Calestous Juma, que cresceu convivendo com enchentes constantes no lago Vitória antes de se tornar uma referência mundial, o mesmo citava que resiliência é definida como a capacidade de resistir, se adaptar e recuperar de mudanças ambientais e contextuais por meio da implementação sistêmica de gestão de risco e fatos imprevisíveis com planejamento adaptativo continuado e inovação. Já Christian Werthmann, importante urbanista alemão, me ensinou no curso “Sustentabilidade para Desenho e Planejamento” avançando o conceito de resiliência de Juma ao ressaltar a importância de se criar mecanismos de antecipação efetivos para se preparar e gerir riscos enquanto se supera os mesmos para enfrentar os novos riscos que virão com maior fortaleza. Coloquialmente podemos dizer que resiliência é a capacidade de continuar funcionando satisfatoriamente enquanto acontecem problemas sucessivos sejam eles urbanos, estruturais, sociais, econômicos, e/ou ambientais e passo a passo os superamos com gestão, inovação e engajamento popular. 

Plano climático popular do prefeito Edmilson Rodrigues em Belém do Pará

 

O que podemos, ou melhor, precisamos fazer, é uma grande reforma e transformação de nossas cidades e estruturas, incluindo as agropecuárias e de mineração (sim, qualquer alteração do solo pelo homem é urbanismo), por meio do Urbanismo Climático não só para resistir o tranco, mas para que toda essas infras e urbes transformadas não sejam só mais resistentes mas também sirvam de base para a colossalmente urgente transição energética. Em 2011, no final do mestrado, quando trabalhava no Belfer Center de Ciência e Diplomacia de Harvard, considerado o principal think tank do mundo, recordo Graham T. Allison, professor e grande especialista mundial de segurança, falando que tanto para ele como para o Pentágono o maior risco existencial do século XXI, até maior do que uma possível guerra nuclear, era a Crise Climática. Não à toa, a Marinha americana tem sido a instituição que mais investe em resiliência climática estrutural na última década (NPS, et Stanford).

Isso é muito caro e complicado para o Brasil fazer, alguém pode dizer enquanto defende que precisamos pagar juros injustificáveis, aumentar a austeridade às custas da população para servir uma classe de rentistas, não o setor privado produtivo, e carregar o agro que não nos alimenta e outros setores que não geram e nem distribuem valor agregado nas costas. Os defensores do mais do mesmo ignoram a inevitável reforma e transformação urbana que somos obrigados a fazer no Brasil e todo o planeta para evitar colapsos socioeconômicos e estruturais piores do que vimos no RS. É essencial ressaltar também que a liderança de regulação e criação de novos mercados com massivos investimentos públicos terá que ser do estado como indicam o bem-sucedido IRA – Inflation Reduction Act de Joe Biden e a economista Mariana Mazzucato entre outros, mas também é verdade que a grande transformação urbana se constitui numa das maiores oportunidades de negócios da história da humanidade. Afinal, o que é mais caro, realizar a mudança mais urgente do nosso tempo, onde todos – menos a indústria fóssil – temos a ganhar,  ou deixar acontecer a destruição do bem-estar de milhões aqui e bilhões no mundo numa verdadeira eugenia climática? 

A razão de ser dos estados modernos é a segurança da garantia de vida, como apontou Thomas Hobbes em sua obra “Leviatã”. Por isso resiliência climática não é apenas só mais um componente do malhado e abusado conceito de sustentabilidade. Resiliência é segurança assim como o é uma polícia que funcione ou um exército que defenda a democracia e soberania de um país. Da mesma forma que uma comunidade, bairro, cidade ou país precisam de segurança em relação a violência para prosperar, nós precisamos de resiliência climática.

Existem bons exemplos de preocupação e investimentos em resiliência no Brasil, sendo importante ressaltar o pioneiro PCP – Plano Climático Popular de Belém feito em parceria entre o prefeito Edmílson Rodrigues, sua equipe, o NAVE – Novo Acordo Verde e este Fervura no Clima neste 2o semestre de 2024 para a cidade amazônida sede da COP 30; o esforço vanguardista da cidade de Cabrobó no Sertão de PE, liderado pelo jovem prefeito Galego de Nanai, com projeto de Parque Urbano no processo do PAC que funciona como estrutura multi-funcional de resiliência, sustentabilidade e integração urbana para esta urbe que sofre desertificação junto com repetidos alagamentos quando chove, (desenvolvido pelo estúdio +D // Design com Propósito), e os parques alagáveis deixados pelo grande urbanista Jaime Lerner em Curitiba;

Cabe ao governo federal, demais cidades e estados aprenderem com esses exemplos e outros espalhados pelo mundo, como o Bio 2030 de Medellín, ou por exemplo o que tem sido feito na tropical Cingapura, e como apontei, a urgente e imensa transformação urbana da resiliência tornará seus pioneiros do setor privado bilionários nacionalmente e trilionários globalmente. Fazer resiliência aproveitando estruturas multifuncionais e investimentos para realizar a transição energética e aumentar nossa qualidade de vida é certamente a mais clara bola pingando na frente do gol da história. É hora de ser arquitetos de nossa própria fortuna, mãos à obra.

Pedro Henrique de Christo (urbanista climático, notório saber, fundador do estúdio interdisciplinar +D de Arquitetura & Urbanismo, criador do primeiro Modelo 4D de simulação de cenários climáticos urbanos, professor visitante de desenho urbano no URBAM-Eafit Medellín, presidente do NAVE – Novo Acordo Verde, Dir. do Parque Sitiê e Mestre em Políticas Públicas – MPP’11 em Harvard);

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