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Precisamos falar sobre o tráfico de drogas na Amazônia

As rotas de cocaína trazem impactos ambientais e climáticos

Gabriela Barros de Luca

A crescente presença de facções do crime organizado na Amazônia disputando o controle de rotas para o tráfico de drogas não apenas intensifica, como determina a degradação ambiental nos territórios amazônicos. Mesmo assim, os movimentos socioambientais e da política de drogas ainda não abordam essa questão de maneira integrada, apesar da solução compartilhar um ponto de partida comum: a proteção e o fortalecimento das comunidades que são exploradas e cooptadas para servir como mão-de-obra para mercados criminais. No entanto, uma alternativa promissora tem emergido no âmbito da política internacional de drogas, oferecendo um direcionamento valioso para políticas públicas integradas. O conceito de desenvolvimento alternativo, ao promover oportunidades de geração de renda e melhores condições de vida para comunidades vulnerabilizadas, destaca-se como uma abordagem que avança tanto a proteção de territórios, como a preservação ambiental para a mitigação das mudanças climáticas.

Este ano foi a comemoração dos dez anos dos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Alternativo. O conceito refere-se a uma estratégia que busca proporcionar alternativas econômicas viáveis para comunidades envolvidas na produção e no tráfico de drogas ilícitas. Procura-se abordar as causas socioeconômicas que levam as pessoas a se envolverem nos mercados de drogas ilícitas, oferecendo estratégias de desenvolvimento orientadas para as necessidades de cada território e comunidade. Isso pode incluir a promoção de cultivos alternativos ao cultivo de drogas ilícitas, apoio ao desenvolvimento de pequenas empresas, acesso a mercados legais, educação e outros meios de melhorar as condições de vida dessas pessoas e suas comunidades. Com um documento importante em 2016, a Assembleia Geral da ONU enfatizou a importância das medidas de desenvolvimento alternativo ao torná-las um dos sete pilares da política global de drogas.

O Brasil, enquanto signatário de acordos internacionais sobre desenvolvimento alternativo, ainda carece de um histórico consistente na implementação de políticas explicitamente  pautadas por esses princípios. Isso se dá, em parte, porque o Brasil é predominantemente uma zona de trânsito de drogas, e não tanto de cultivo ou produção de drogas para o tráfico transnacional (embora exista o cultivo e a produção em menor escala). O conceito de desenvolvimento alternativo, que apresenta contornos claros quando se trata da substituição de cultivos ilícitos por lícitos em zonas de produção de drogas, torna-se mais indefinido e complexo ao ser aplicado em áreas de trânsito. Nesses contextos, é necessário dimensionar diversos fatores, como a dependência econômica direta e indireta das comunidades atravessadas por rotas do tráfico de drogas, o perfil socioeconômico das pessoas que são recrutadas para o trabalho associado ao tráfico e mercados criminais conexos, e as oportunidades econômicas legais que poderiam ser fomentadas alternativamente. 

Algumas das principais rotas nacionais e transnacionais do tráfico de drogas passam pela Amazônia brasileira. Não por acaso, a região teve a taxa mais alta de mortes violentas intencionais do país em 2022 –mesmo que a população dos estados da Amazônia Legal representa apenas 13,6% da população nacional. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o aumento da violência letal na Amazônia está diretamente ligado à intensificação da presença do crime organizado e suas disputas pelo controle das rotas estratégicas para o tráfico de produtos ilícitos na região. O mais recente estudo do FBSP mapeou que a presença do crime organizado já afeta quase 60% da população da região. 

Especialmente ao longo da última década, as organizações do tráficos expandiram sua presença nos territórios amazônicos e fortaleceram suas alianças com outros mercados criminais mais “tradicionais”, como o garimpo ilegal e a exploração madeireira, dentre outros. Os atores enriquecidos pelo tráfico, como bons empresários, têm procurado diversificar seus portfólios em uma variedade de outras atividades ilegais. Mais preocupante, também passam a se alimentar ou se sustentar de diferentes áreas da economia legal, reinvestindo e exercendo influência nas indústrias da carne, óleo de palma, soja, abacate, dentre outras. Isto é, possuem influência muito mais pervasiva do que se pensa. Os lucros do tráfico de drogas atuam como um banco de investimento para uma série de outras atividades econômicas –ilícitas e lícitas– que são frequentemente prejudiciais ao meio ambiente e clima por serem intensivas em carbono.

Também há um claro padrão de controle dos territórios no entorno das rotas estratégicas do tráfico. Isso porque as atividades criminosas são menos arriscadas quando quem as conduz controla os espaços onde acontecem. Essas terras são, então, usadas para criar pistas clandestinas, lavar capital ilícito, e consolidar o controle sobre zonas importantes para o transporte de produtos. Com efeito, análises geoespaciais que examinam padrões de desmatamento na Amazônia comparadas com rotas de tráfico de drogas demonstram que as áreas no entorno dessas rotas são as mais vulneráveis à perda de florestas. 

É assim que esses atores criminais prosperam nos mesmos ecossistemas tão cruciais para nossa sobrevivência climática. Estamos diante de uma situação onde commodities extremamente lucrativas estão sendo produzidas e traficadas através de alguns dos espaços mais remotos e biodiversos do mundo. 

Essa dinâmica propaga e intensifica a degradação do meio ambiente, reduz a resiliência das florestas a eventos climáticos extremos, além de também levar violência e exploração para territórios indígenas. Em muitos desses territórios, já não é mais possível dedicar-se à agricultura, pesca ou caça para subsistência, seja devido aos efeitos provocados pelas alterações no clima, ou devido à infiltração do crime organizado. Sem acesso aos seus meios tradicionais de sobrevivência, as comunidades impactadas dependem cada vez mais de alimentos processados de áreas urbanas, e a necessidade de ingressar em áreas urbanas, então, traz consigo o aumento do consumo problemático de álcool e outras drogas. É um ciclo devastador que resulta em profundas violações de direitos humanos e em degradação social e ambiental irreversíveis.

Além disso, todos os anos dezenas de lideranças indígenas são assassinadas defendendo seus territórios. Grande parte desses crimes concentram-se em zonas-chave do tráfico de drogas e os perpetradores permanecem impunes. Notadamente, os assassinatos brutais do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, que chocaram o mundo em 2022, estavam relacionados à cobertura do crime organizado no Vale do Javari. Esta região, localizada na tríplice fronteira do Brasil com a Colômbia e com o Peru, é conhecida como a “zona quente” do tráfico de drogas na Amazônia, e representa um dos mais importantes eixos para o tráfico de mercadorias ilícitas nas Américas. É também o local com a maior concentração de povos indígenas isolados do mundo.

O panorama é assombroso e os desafios para o governo são enormes. Há que se pensar em políticas públicas que consigam, ao menos, frear a escalada da devastação. Nesse sentido, vale destacar a Estratégia Nacional para a Mitigação e Reparação dos Impactos do Tráfico de Drogas em Territórios e Populações Indígenas e Tradicionais lançada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em junho deste ano. Como parte dessa estratégia, a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) divulgou um edital para o financiamento de organizações da sociedade civil pautado pelo conceito de desenvolvimento alternativo. O edital teve como objetivo promover o acesso a oportunidades de geração de renda, apoio a projetos que beneficiem mulheres indígenas, e fomento a iniciativas que fortaleçam a proteção de territórios indígenas. Além disso, foi criado um Grupo de Trabalho Interministerial com a participação de nove ministérios, onde são discutidas ações de escopo nacional e também projetos em territórios específicos que priorizam as comunidades mais vulnerabilizadas pela entrada do tráfico de drogas em seus territórios. Esses esforços do governo federal trazem o tema para a pauta pública pela primeira vez e reconhecem a necessidade de atuar de maneira transversal, protegendo as comunidades e os territórios amazônicos. 

No plano internacional, alguns importantes estudos já começam a abordar a dimensão socioambiental da expansão do tráfico de drogas na Amazônia. O Relatório Mundial de Drogas de 2023 possui uma seção inteira focada na Bacia Amazônica, destacando como o tráfico de drogas está acelerando a devastação ambiental e a criminalidade na região. O recente e notável relatório da Coalizão Internacional sobre Reforma da Política de Drogas e Justiça Ambiental enfatiza a necessidade crucial de orientar os esforços de preservação ambiental para enfrentar o tráfico de drogas na Amazônia, a fim de alcançar efetivamente a justiça climática. Adicionalmente, o Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas de 2022 destaca que reduzir os impulsionadores diretos e indiretos do desmatamento e da degradação florestal é crucial para construir, manter e fortalecer a resiliência das florestas contra mudanças climáticas. 

Está cada vez mais claro que organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas estão financiando invasões de terras, desmatamento, garimpo ilegal, comércio ilegal de animais, exploração humana, além de muitas outras atividades que levam violência e intensa degradação ambiental para a Amazônia. É crucial, e a crescente urgência da emergência climática que experimentamos diariamente, demanda que os movimentos socioambientais e da política de drogas compreendam a necessidade de conectar suas agendas e abordar de forma integrada a questão amazônica.

Gabriela Barros de Luca é advogada de direitos humanos e atualmente trabalha como Consultora Sênior para a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). É mestre em direito internacional dos direitos humanos pela Universidade de Essex e autora de diversas publicações acadêmicas com foco em temas de direitos humanos e saúde pública.

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