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E se der tudo certo?

Imaginando um futuro possível com as soluções que estão ao nosso alcance
O livro da bióloga marinha e ativista Aryana Elizabeth Johnson é um bestseller

 

 

Por Pedro Braga, 18/11/2024.

 

‘What If We Get It Right?’ (‘E se acertarmos?’, em tradução livre), livro da cientista e ativista Ayana Elizabeth Johnson, desafia a narrativa de medo em torno da crise do clima. Em vez de focar no que pode dar errado, ela nos convida a imaginar como seria se fizéssemos tudo certo: e se, no lugar da paralisia causada pelo medo, começássemos a agir como se o futuro ainda fosse possível?

 

A leitura é estruturada em vinte entrevistas com especialistas de diferentes áreas — de arquitetos a agricultores, de investidores a ativistas. Cada entrevistado compartilha como o ‘acertar’ na questão climática pode se materializar em suas áreas de atuação. Nas conversas, a autora mostra um caminho prático para um futuro no qual os esforços somados apontam que, sim, temos as ferramentas e as soluções à nossa disposição. Só falta implementá-las.

 

Bring the seeds (traga as sementes)

 

Uma das ideias mais fortes do livro é inspirada em uma conversa com a agricultora Leah Penniman. Em meio às mudanças climáticas e à insegurança alimentar, Penniman reflete sobre o ato de “trazer as sementes” como uma metáfora literal e simbólica para o compromisso com o futuro. Ela relata como avós africanas, durante o período de escravatura, trançavam sementes no cabelo de seus filhos para garantir que a vida pudesse florescer do outro lado do Atlântico, apesar das adversidades.

 

Essas sementes, trançadas com tanto cuidado, simbolizavam esperança e sobrevivência em tempos sombrios. Em outras palavras, quando tudo parece incerto, “traga as sementes” é um chamado para persistir, para apostar em um amanhã, mesmo quando a realidade de hoje se apresenta árida. A autora insiste que nós não temos o direito de desistir. As mudanças climáticas nos colocam contra a parede, mas não podemos aceitar um desfecho qualquer. Somos convidados a plantar nossas próprias sementes de resiliência e inovação — como um ato de fé. E também de amor pelo futuro. 

 

Mas e o capitalismo?

 

Johnson aborda também uma das discussões mais polêmicas na luta pelo clima: o papel do capitalismo. Será que o sistema que tanto explora os recursos do planeta pode fazer parte da solução? Os especialistas entrevistados trazem visões diversas. A autora, no entanto, adota uma postura pragmática: enquanto a transformação completa do sistema capitalista parece fora de alcance no curto prazo, a estratégia mais eficaz talvez seja aproveitá-lo como uma ferramenta para impulsionar mudanças positivas.

 

A ideia de trabalhar com o sistema que temos, mesmo que temporariamente, não é unânime. Mas para existir um equilíbrio entre propósito e pragmatismo, talvez seja preciso aproveitar o mercado como ele é a fim de popularizar soluções como as energias renováveis, os veículos elétricos e plantios regenerativos de florestas. Em vez de focar somente no que é necessário mudar para construir um novo sistema, é possível utilizar a realidade atual para gerar avanços concretos e de grande impacto, mesmo que não levem à solução definitiva.

 

A autora traz um ponto de vista que questiona essa tendência de se perder em discussões teóricas enquanto as mudanças climáticas avançam. Temos os conhecimentos e a tecnologia para mudar nossa relação com o planeta. A eletrificação completa dos transportes poderia reduzir entre 70% e 90% as emissões de dióxido de carbono (CO2). A mensagem aqui é clara: não adianta apenas saber o que pode ser feito. É necessário um compromisso real para fazer acontecer, e isso exige a união de todos.

 

Ela também aponta como, em algumas regiões dos Estados Unidos, a implementação já tem ocorrido com sucesso. Os estados de Iowa e Texas, por exemplo, lideram o país na produção de energia eólica. Não são estados conhecidos por serem ambientalistas. Pelo contrário. Mas estão investindo em energias renováveis porque é financeiramente vantajoso. Esse exemplo demonstra como a lógica de mercado pode, em alguns casos, se alinhar com os interesses ambientais, provando que é possível avançar mesmo sem uma mudança estrutural completa.

 

Reescrevendo a história climática

 

Em uma das entrevistas do livro, a economista climática Rhiana Gunn-Wright diz que, para que as pessoas escolham agir de maneira diferente, é preciso primeiro mudar a história que contam para si mesmas. A narrativa predominante sobre a crise climática é a de um colapso inevitável, em que as forças destrutivas parecem invencíveis. Para a autora, essa mentalidade é tão perigosa quanto a própria crise. Não vamos aceitar passivamente o desastre. É preciso pressionar governos e empresas e, desde já, mudar a história que contamos, trazendo exemplos de resiliência e inovação, porque as soluções estão ao nosso alcance.

 

Ao final do livro, a escritora reformula a questão central: ‘e se já estivermos acertando?’ Ela destaca pessoas e comunidades que estão ‘trazendo as sementes’, com vitórias na justiça, novos modelos urbanos, resiliência comunitária e investimentos em energias renováveis. Talvez o caminho certo já esteja em construção, mas ainda precisamos de mais mãos para ampliar e acelerar essas soluções. É preciso imaginar que podemos, sim, estar do lado certo da história. A luta pelo clima é, acima de tudo, uma escolha por fazer o que é certo, o que é possível e o que é urgente. E se der tudo certo? O que você quer fazer da vida em um planeta sustentável?

 

Fim do medo do fim é um exercício de transformar a narrativa sobre a crise do clima, destacando soluções inovadoras, iniciativas bem-sucedidas e histórias reais de pessoas e comunidades que estão enfrentando as mudanças climáticas, apesar das dificuldades. A coluna reflete o compromisso de dissipar o sentimento de desespero, que surge naturalmente diante das discussões sobre presente e futuro. Isso não significa ignorar a gravidade da crise. Pelo contrário, justamente por reconhecermos a urgência do momento e a necessidade de agirmos de forma rápida e eficaz, é que queremos mostrar que ainda dá tempo. O medo é uma rua sem saída, que paralisa e impede de enxergar outras possibilidades. Há um caminho de superação dessa realidade. Um não, vários. Somados, esses esforços podem nos ajudar a criar um futuro habitável. Queremos te empoderar com informação de verdade — ampliando a esperança frente ao medo

 

Pedro Braga é jornalista, cobre a crise do clima e acredita que espalhar informação de qualidade é uma forma de evitar a ansiedade climática.

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