Aqueles que invadiram Brasília neste triste dia 08/01/2023 são as mesmas pessoas e grupos que querem acabar com a Democracia para poder acabar com a Natureza, e quem estiver pelo caminho (Direitos Humanos), para lucrarem tudo o que podem numa lógica autodestrutiva de curto prazo em meio ao maior desafio de nossos tempos, a Crise Climática.
Em Araraquara durante a invasão, onde estava com o prefeito Edinho em solidariedade às famílias atingidas pelas chuvas em mais um dos extremos climáticos que se intensificam em frequência e força pelo Brasil, o Presidente Lula articulou de forma precisa o elo entre Democracia e Clima. Apontou que as mesmas pessoas que invadiram Brasília são as que invadem terras indígenas para o garimpo, roubam terras públicas desmatando a floresta para fazer grilagem a favor da parte irresponsável do agronegócio, invadem áreas de proteção ambiental nas cidades para construir empreendimentos imobiliários milicianos e querem manter as estruturas sociais do atraso, oriúndas da escravidão e do genocídio contra os indígenas, que os beneficia com impunidade e privilégios no nosso país.
Há grupos reacionários semelhantes em outros países, mas no Brasil chegam a ser mais danosos. Temos o desafio histórico de sermos uma potência geopolítica no século XXI, mas ainda não nos modernizamos por completo social e economicamente. Existe uma disputa civilizatória no nosso país, entre um Brasil moderno e mais urbano que deseja sua soberania, desenvolvimento e harmonia com a natureza e um Brasil agrário, interiorano que ainda se vê como colônia de exploração. Entretanto, há esperança de mudanças para grande parte dos que votaram em Bolsonaro por “questões de costumes” e/ou “anti-petismo” mas agora finalmente entenderam ser inaceitável o que propõe o Bolsonarismo. Em pesquisas recentes, foi identificado que 81% dos brasileiros consideram as Mudanças Climáticas um assunto importante (ITS, 2021) e 93% condenam a invasão terrorista de domingo (DataFolha, 2023).
Isso nos traz ao ponto deste artigo, como as forças do atraso que devastam a natureza e destroem o clima para lucrar a qualquer custo, reforçando assim o colonialismo climático, têm cada vez menos representatividade na população brasileira, eles querem abolir a democracia e impor sua vontade. Essa prática varia de meios indiretos como a propagação organizada e financiada por grandes grupos privados de notícias falsas nas mídias sociais, que têm um modelo de negócios que favorece essa dinâmica, à infiltração da máquina pública com agentes desse projeto de ditadura até a criminosa organização e invasão dos Três Poderes que observamos em Brasília. Para eles, se a democracia não funcionar para os seus interesses esta tem de ser removida por meio do roubo da liberdade e autodeterminação da nossa sociedade para manter os mesmos no poder.
Ecos da Rússia de Czar Nicolau II
Eles o fazem para evitar assim o desenvolvimento social e democrático mas também econômico do Brasil para uma sociedade produtora de conhecimento e tecnologia que seja capaz de ter sua população emancipada e superar a Crise Climática, os tornando cada vez menos importantes e poderosos. O ataque à Educação e Ciência nos últimos anos, assim como ao aparato de saúde e proteção social faz parte dessa estratégia nefasta que remete ao que foi feito pelo Czar Nicolau II na Rússia do século XIX. Este deliberadamente prendeu trabalhadores, estudantes, cientistas, artistas, professores e burgueses em geral enquanto dificultou imensamente o desenvolvimento da Rússia para manter a maior parte da população em estado servil dentro de um sistema agrário arcaico, ao contrário do que acontecia no resto da Europa que se modernizava.
A invasão dos Três Poderes no Brasil marca um dos mais tristes episódios da nossa história, mas também uma oportunidade de transformação, tanto para nossa democracia como para o meio ambiente e clima, graças as decisões corretas por parte do governo federal em resposta à crise. Em meio aos acontecimentos lamentáveis, o presidente Lula decretou a intervenção federal das Forças de Segurança, PM e Polícia Civil, do DF. Diferentemente da intervenção federal que ocorreu em 2018 no Rio de Janeiro, onde as Forças Armadas foram alocadas para exercer o papel de polícia, militarizando-a ainda mais, domingo foi realizada uma intervenção na própria polícia na direção de torná-la o que ela, e as demais polícias no Brasil, tem de se tornar.
Assim como nas similaridades negativas de acontecimentos entre o Brasil e o os EUA no que se refere a Invasão dos Três Poderes agora e do Capitólio (Congresso americano) em 06 de janeiro de 2021, existe também uma jurisprudência positiva para melhoria da polícia nos EUA que pode servir ao Brasil, nossa Democracia e o Clima.
Um caso exemplar em Los Angeles
Em 2011, fui enviado pelo Centro de Direitos Humanos e Justiça Criminal da universidade de Harvard, para fazer uma pesquisa de campo sobre a Intervenção Federal da Suprema Corte na Polícia de Los Angeles, a LAPD, que ocorreu após o assassinato de Rodney King (1992) e o colapso subsequente das forças de segurança da cidade. A medida adotada em questão foi um Decreto de Consentimento, da Suprema Corte (o STF deles) tornado efetivo em 2000 que obrigou a polícia a se submeter por 10 anos a supervisão das organizações americanas equivalentes ao STF, AGU e MP para reformulação de procedimentos, padrões de conduta, humanização e melhoria dos serviços policiais.
Apesar dos sérios problemas que ainda persistem, os resultados foram positivos, é dessa experiência que veio o sistema de câmeras nos uniformes dos policiais, a proibição de rondas individuais (chamada de Teams II) entre outras soluções disseminadas aqui no Brasil e no mundo que diminuíram os abusos policiais consideravelmente. Podemos usar esta experiência como uma de nossas referências para transformar nossas polícias.
E por que isso importa para o Clima? Por que hoje no Brasil, proteger o meio ambiente e avançar a agenda climática é decisivamente também defender a democracia e a vida humana, ou seja, um caso de polícia. É preciso impedir e trazer justiça para os agentes da destruição da natureza e desrespeito aos direitos humanos na floresta, cidade e campo após contarem com a leniência e em alguns casos apoio de setores das Forças Armadas e de Segurança locais nos últimos anos, como vimos no domingo em Brasília.
As duas razões primordiais de existência do estado moderno são a garantia de vida e a democracia. Hoje no mundo contemporâneo é urgente incluir a superação da Crise Climática como parte da garantia de vida, o que ganha cada vez mais consenso democraticamente no Brasil e no mundo. Se nos EUA a luta é contra os Republicanos e extrema-direita que querem corroer a democracia para manter a supremacia branca que mingua demograficamente no país e a prevalência da indústria do petróleo, gás e carvão, no Brasil nossa luta é contra uma milícia infiltrada nas forças de segurança e armadas que apoia o garimpo ilegal, desmatamento e invasão de territórios indígenas e vende nossa soberania por qualquer negócio.
Temos de tirar nosso país em vários aspectos do século XIX e inseri-lo no século XXI com democracia, direitos humanos básicos e ação climática. Nos dois casos, e cada vez mais por todo mundo, lutar pela democracia é lutar pelo clima, e vice-versa. É com base nisso que temos que construir o Estado de Bem-estar do Século XXI começando assim uma nova fase civilizatória na história da humanidade onde a colaboração, a ética e o estado de Direito, sem anistia, prevaleçam sobre a injustiça da força. Afinal, lutar pela Democracia e Clima é lutar pela Vida.