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Fervura no Clima e uma ilustração de usina termelétrica sendo desativada.

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Chuva de incompetência, desastre de indiferença

Extremos climáticos acontecem enquanto lideranças mordem o próprio rabo

Chuva e desastre no Rio no último sábado e domingo. De novo, e cada vez pior. Há o que fazer? Sim, lógico. A Holanda (temperada) sabe o que fazer, Cingapura (tropical) também. E quebrando falácias é essencial dizer que tudo que é feito lá é adaptável aqui sim com certas coisas feitas com menos recursos e outras sendo até feitas melhor por grupos de excelência liderados daqui, como modelagem 4D, ou seja simulações no espaço e tempo sobre enchentes, deslizamentos e ondas de calor. Quem defende o contrário abraça a incompetência, não sabendo o que fala e fortalecendo quem não sabe o que fazer e não quer ceder poder para resolver o problema mesmo com o céu caindo na cabeça de quem é mais vulnerável. Já chega. 

Já existem exemplos de algumas cidades brasileiras se antecipando aos cenários muito piores que vêm por aí, tais quais Belém do PA, que abre nos próximos meses o 1o Laboratório de projetos e tecnologias de Urbanismo Climático do mundo unindo equipe de ponta global e local, e Cabrobó no Sertão de PE que já tem projeto pronto para a adaptação e transição climática para as áreas de maior risco na cidade nos próximos anos e décadas. O que há de comum entre essas duas cidades? Liderança: do Prefeito Edmílson Rodrigues em Belém e do Prefeito Galego de Nanai em Cabrobó. Exatamente o que falta no governo do Rio como demonstra o governador Cláudio Castro, que estava na Disney passeando enquanto a Baixada afundava e que teve o desplante de dizer que “… é um ano de El Niño, não dá para dizer que não vai acontecer.”, ou seja, a culpa é sempre da natureza, um castigo divino em que tudo foi feito para ser evitado, mesmo acontecendo ano após ano. 

O prefeito Eduardo Paes que vive um esforço de reconstrução desde que assumiu a prefeitura após a destruição do período Crivella também precisa elevar o seu jogo e desenvolver ações transformadoras e não apenas pontuais com forte trabalho de imagem e resultados aquém do esperado. Não são drones soltando sementes nas favelas que vão resolver o problema, são pessoas das próprias favelas, que são lideranças sociais e ambientais lá dentro que têm que liderar os esforços de resiliência junto com profissionais da prefeitura e especialistas da sociedade civil. 

Projetos referência mundial como o Parque Sitiê no Vidigal que têm resistido como exemplo de resiliência há 13 anos a todos os tipos de intempéries humanas e naturais devem ser escalados para todas as comunidades e bairros da cidade, tornando assim nossa população verdadeiramente protetora da floresta e construtores da resiliência de seus territórios. Projeto esse que o prefeito apoiou bastante durante o processo de adoção oficial do território mas que algumas lideranças da prefeitura insistem em querer emular sem sucesso. Mais fácil dialogar com a equipe liderada por Mauro Quintanilha, fundador do parque e cria do Vidigal. Não sejamos como aquele garoto que quer acabar o jogo porque não faz gol mas é o dono da bola. O mesmo vale para o Governo Federal. Meus caros, o gol é necessário.

Parque Sitiê no Vidigal, Rio de Janeiro

 

Também é importante ressaltar que projetos e planos antigos que não funcionam bem até hoje não são a solução. Não é só porque são mal operados que os projetos Reconstrução Rio da década de 90 e Iguaçu de 2008 não funcionam. É porque eles foram mal concebidos, mal feitos e não fatoraram os seus próprios custos e riscos operacionais. 

Já propostas para o Plano Diretor da cidade de instituições bem-intencionadas mas demasiadamente burocráticas e sem as especialidades profissionais necessárias, o que nós projetistas chamamos de “design burocrático”, ajudam mas também estão defasados pois lhes carecem trazer regulações e propostas normativas bastante abstratas para escala de projeto de desenho urbano e território paisagem. O urbanismo brasileiro ainda está no século XX com sua obsessão por moradia, que é importantíssimo, mas é um dos elementos urbanos, ao invés de focar no desenvolvimento do território. Onde ficam a drenagem, o esgoto, os espaços públicos, espaços verdes, equipamentos públicos, empregos, mobilidade, etc e a própria habitação.  

Parodiando o assessor do ex-presidente americano Bill Clinton que explicava porque o mesmo tinha bastante popularidade apesar do seu comportamento pessoal duvidoso e que disse “It’s the economy, stupid”, é preciso dizer para os colegas urbanistas brasileiros que “É o território, amigos.” Só habitação sem desenho urbano e de território paisagem gera o que vemos com as chuvas ou o que assistimos diariamente com o crime organizado se apropriando dessas intervenções. Se fala muito de Urbanismo Social aqui mas quase ninguém sabe o que fala. O Urbanismo Social verdadeiro, criado em Medellín, não é fazer apenas uma intervenção social, é exatamente isso que coloquei: transitar a ação só da moradia para o território por meio de desenho urbano e de paisagem integrando diferentes áreas dos governos municipais como saúde, educação, infraestrutura, trabalho, criação de paz e meio ambiente. 

No âmbito da arena política precisamos de bom senso. Ocorreu uma discussão maniqueísta, onde é isso ou aquilo, de que tudo que aconteceu no Rio é racismo ambiental de um lado e do outro gente reacionária dizendo que racismo ambiental não existe. É claro que o racismo ambiental existe.  Mas o que aconteceu e acontece nas áreas vulneráveis com os extremos climáticos também não é só racismo ambiental; é primeiramente desigualdade ambiental e climática. Dentro dela sim, temos ainda o triste adendo do racismo ambiental, pois a população negra de favelas varia em pesquisas entre 45% (Harvard) e 67% (Data Favela e CUFA) no Rio de Janeiro com os piores impactos para as mulheres negras. Entretanto, no mínimo podemos dizer que metade ou um pouco menos da população de favela no Rio e Brasil é parda e em torno de 5-10% branca. 

É um problema de todos e se há alguma coisa boa nesse imenso desafio que é a crise climática é que, tal como o trabalhismo e os direitos humanos, a ação climática é uma pauta inclusiva e não sectária. Não é correto e nem produtivo que nenhum grupo queira tomar a pauta para si excluindo demais indivíduos que sofrem gravemente com esta crise também. E é infinitamente pior negar que exista o racismo ambiental, quando ele é um fato evidente e uma das chagas que precisamos curar no nosso país fruto do pior tráfico de pessoas escravizadas da África para qualquer lugar do mundo. Essa indiferença é digna daqueles no 9o círculo do inferno de Dante, na Divina Comédia, que como contou o poeta Virgílio, guia do nosso protagonista nessa obra prima, é o pior dos círculos do coisa ruim. 

Só em 2021 e 2022, 2,2 mi de pessoas foram atingidas por extremos climáticos no Rio onde foi também contabilizado um prejuízo, apenas de infraestrutura pública, de R$ 487 mi (Defesa Civil). Se contássemos os prejuízos privados da população afetada esse número tranquilamente dobraria. Desde que o ano passado foi o com mais eventos extremos na história do Rio de Janeiro, Brasil e mundo, podemos estimar conservadoramente que pelo menos entre R$ 1,5 bi e R$ 2 bi foram causados de prejuízo pela inação dos governos municipal, estadual e federal no Rio de Janeiro e sua área metropolitana, para não falar da região serrana que teve em Petrópolis um dos maiores desastres climáticos da história do país. 

A solução, o Urbanismo Climático, que de maneira o mais simples possível consiste em reformar nossas cidades e estruturas para aguentar o tranco da crise climática e construir a base da transição climática. Custa muito menos e salva vidas. Assim como o Urbanismo Social, de onde o mesmo nasceu junto com a experiência do Parque Sitiê no Vidigal, serão precisos não só projetos transformadores assim como também novos desenhos institucionais e financeiros dentro das próprias prefeituras e na relação destas com os estados e governo federal e principalmente, o que mais nos falta e nossa população mais precisa, liderança. 

 

P.s. Sim, sou o coordenador-líder do Laboratório de Urbanismo Climático em parceria com a prefeitura em Belém e co-presidente do Parque Sitiê no Vidigal, onde abri meu estúdio em 2013 com investimento da universidade de Harvard. 

P.s.1. Precisamos de muito mais gente aprendendo a fazer e fazendo Urbanismo Climático pois o ponto central não é a projeção do nosso grupo e sim a solução do problema para nossas e futuras gerações. 

P.s.2. Juntamos oficialmente nossa equipe no Brasil, Alejandro Echeverrí e sua equipe do URBAM-EAFIT de Medellín, criadores do Urbanismo Social, Alexandros Washburn, Chefe de Desenho Urbano de NYC nos mandatos de Mike Bloomberg e especialista em tecnologia e resiliência urbana, entre outros amigos da Holanda, Chile, África e Ásia com lideranças de Belém. No Rio e demais lugares, só é preciso querer. 

 

Pedro Henrique de Christo: urbanista climático, presidente do NAVE – Novo Acordo Verde e cofundador do Parque Sitiê na favela do Vidigal, Rio de Janeiro. É professor-visitante de políticas públicas, desenho urbano e arquitetura na Universidad Eafit-Urbam, em Medellín, tendo lecionado também na Harvard University, University of Cape Town, UDP-Universidad Diego Portales e FGV-RJ. Fundador do estúdio interdisciplinar +D, recipiente de múltiplos prêmios internacionais, e colunista da plataforma Fervura no Clima. Mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Harvard, onde sua tese inspirou a aula School of the Year 2030@Rio de Janeiro na Harvard Graduate School of Design, foi reconhecido oficialmente como notório saber (famosam scientiam) neste ano de 2023. Paraibano, nascido no Sertão e criado na praia da Zona da Mata, é baseado no Rio de Janeiro.

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