Por Pedro Braga
Se você já defendeu os veículos elétricos como solução para o clima, é possível que tenha escutado: “Ah, mas e as baterias? E a mineração?”. É claro que a extração e o refino dos minerais, necessários para a fabricação das baterias, exigem enormes quantidades de energia, resultando em um forte impacto ambiental inicial. Mas essa é só uma parte da história.
O fato é que, ao longo do tempo, o carro elétrico compensa essas emissões iniciais por ser mais eficiente, levando a uma redução de até 70% nas emissões totais durante a vida útil do veículo, segundo análise da BloombergNEF.
Mas essa compensação, que nos EUA ocorre por volta dos 41 mil quilômetros rodados, considera que todos os materiais são novos e que, ao final, seriam descartados em aterros. Só que essa não é a realidade. As baterias não são mais jogadas fora: uma nova indústria dedicada à reciclagem desses componentes está surgindo.
As baterias recicladas são a solução. Só que, hoje, as matérias-primas (metais como lítio, cobalto e níquel) percorrem mais de 80.000 km antes de chegar à fábrica – um processo caro e insustentável. O cátodo e o ânodo, os dois componentes principais em uma bateria de íon de lítio, não são produzidos na América do Norte atualmente. São os países mais pobres, vítimas dos impactos socioambientais da mineração, que fornecem os metais.
A reutilização dos materiais contribui para quebrar esse ciclo de exploração.
Outro desafio é a demanda crescente por baterias de íon de lítio, que deve aumentar 500% nos próximos 10 anos. Estima-se que os fabricantes nos EUA gastarão mais de US$ 600 bilhões no exterior com esses materiais até 2030. Por isso, a reciclagem surge como peça-chave nessa nova era (e já está rolando!).
A Redwood Materials é uma das pioneiras e não coincidentemente foi criada por um dos cofundadores da Tesla, um tal de JB Straubel. Em 2019, ele saiu da empresa do Musk com a ideia de redesenhar a cadeia de suprimentos global para o futuro eletrificado. É lógico que eles não irão salvar o planeta. O foco sempre será o lucro na lógica capitalista. Mas é importante destacar que há maneiras de resolver os problemas mais complexos relacionados ao aquecimento global.
Embora ainda em estágios iniciais, o reaproveitamento de baterias já é lucrativo e capaz de recuperar mais de 95% dos minerais essenciais. A firma do ex-colega do maior playboy do mundo desenvolveu um processo que pode gerar até 80% menos emissões em comparação com os métodos tradicionais*. Assim, a compensação ambiental já ocorreria com menos de 24 mil km percorridos — um brasileiro roda em média 15 mil km por ano.
Mas a sustentabilidade da mobilidade elétrica não depende só da reciclagem.
A fonte de eletricidade utilizada para fabricar e carregar esses veículos também desempenha um papel determinante: quanto mais limpa, mais rápido se dá a compensação das emissões. Com o crescimento das energias renováveis, estamos cada vez mais próximos desse equilíbrio.
Instalações solares bateram recordes anuais globalmente por 22 anos consecutivos e o ritmo parece estar acelerando, segundo a Agência Internacional de Energia. A previsão é que, até 2030, os veículos elétricos com baterias recicladas compensem suas emissões em questão de meses. Isso porque a meta é que dois terços da energia dos Estados Unidos seja gerada a partir de fontes livres de carbono dentro desse prazo.
Porém, esse processo ainda enfrenta outros desafios, especialmente porque a maioria das baterias ainda não chegou ao fim da vida útil, já que os veículos elétricos são relativamente novos. A Redwood tenta se antecipar a esse cenário. Eles utilizam os materiais reciclados para fabricar novos componentes, reduzindo a dependência de importações e criando uma cadeia de suprimentos mais sustentável e local.
Outras grandes empresas já estão investindo nessa nova indústria. Eles sabem que a reciclagem será crucial para a cadeia de suprimentos dos veículos elétricos nos próximos anos. A reutilização dos materiais reduz a necessidade de novas extrações e inicia um ciclo de reaproveitamento de recursos. É um lembrete de que podemos olhar para a eletrificação do transporte como parte de um futuro sustentável. Existem soluções.
*Stanford University / New York Times
Fim do medo do fim é um exercício de transformar a narrativa sobre a crise do clima, destacando soluções inovadoras, iniciativas bem-sucedidas e histórias reais de pessoas e comunidades que estão enfrentando as mudanças climáticas, apesar das dificuldades. A coluna reflete o compromisso de dissipar o sentimento de desespero, que surge naturalmente diante das discussões sobre presente e futuro. Isso não significa ignorar a gravidade da crise. Pelo contrário, justamente por reconhecermos a urgência do momento e a necessidade de agirmos de forma rápida e eficaz, é que queremos mostrar que ainda dá tempo. O medo é uma rua sem saída, que paralisa e impede de enxergar outras possibilidades. Existem caminhos para superar essa realidade. Somados, esses esforços podem ajudar a criar um futuro habitável. Queremos te empoderar com informação de verdade — ampliando a esperança frente ao medo.
Pedro Braga é jornalista, cobre a crise do clima e acredita que espalhar informação de qualidade é uma forma evitar a ansiedade climática.