Fervura no Clima e uma ilustração de turbina eólica.

#FervuraNoClima

INSPIRAÇÃO PARA ENFRENTAR O AQUECIMENTO GLOBAL

Fervura no Clima e uma ilustração de usina termelétrica sendo desativada.

O Relógio
do Clima!
SAIBA MAIS

Não podemos jogar fora o bebê, nossas cidades, com a água suja

É possível evitar a maioria das remoções de pessoas
Recuperar e preprar as cidades para a mudança do clima é prioritário - foto: Justiça Global
Recuperar e preprar as cidades para a mudança do clima é prioritário - foto: Justiça Global

Em meio ao colapso da catástrofe climática no Rio Grande do Sul a população, lideranças e imprensa buscam soluções. Importantes especialistas, em sua maioria dedicados a pautas florestais, rurais, de legislação ambiental e ciência analítica do clima, que nos alertam há bastante tempo, reforçam o tamanho deste risco existencial. Entretanto, alguns deles têm cometido o pecado de extrapolar os seus escopos de expertise e propor caminhos de ação para as cidades impactadas de forma precipitada. Dentre todos, o maior e mais perigoso erro, que não pode ganhar tração, é a remoção de cidades inteiras como opção principal de ação sem uma análise apropriada do que pode ser feito para preservá-las. Se remover as cidades por inteiro fosse a principal resposta para enchentes, a Holanda nem existiria. 

Cidades não são coisas corriqueiras. Para construí-las e estabelecê-las levam-se de décadas a séculos num processo intenso de integração de vários elementos complexos, desde infraestrutura e urbanismo até governos, atividades econômicas, cadeias produtivas, serviços sociais e o desenvolvimento de uma cultura própria diretamente ligada ao seu povo e meio ambiente. São nelas que estão as famílias, amigos, trabalho, redes de apoio social, intitulamentos econômicos, e história das pessoas. Ou seja, as suas próprias vidas. Existe ainda o grande risco de fortalecimento do crime organizado como visto ao longo de décadas nos projetos precários de habitação social no Brasil. Nestes, pessoas, geralmente de favelas, foram removidas para áreas ermas, tendo suas comunidades e redes de apoio econômicas fraturadas. São recebidas por uma crônica ausência de infraestrutura, equipamentos e serviços públicos, de esgoto a falta de hospitais, escolas e polícia. O resultado é o que vimos desde a Cidade de Deus até muitos dos projetos do importante programa Minha Casa, Minha Vida, uma boa ideia mal aplicada pelo foco na habitação de maneira isolada a transformação dos territórios onde estas se encontram. O que acontece é que estas acabam sendo controladas pelo poder paralelo. 

Tanto urbanistas de pensamentos diferentes, como a seminal Jane Jacobs, no seu livro “A Morte e Vida das Grandes Cidades Americanas” e Ed Glaeser, economista, professor de Harvard e autor do livro “O triunfo das cidades” incluem as cidades entre as maiores invenções da história da humanidade. As cidades dão acesso a oportunidades, cultura, conectividade, inovação, empregos, riqueza e qualidade de vida devido a sua maior diversidade de pessoas e ideias assim como pela sua densidade, o que também as torna mais sustentável em termos de emissões de Gases de Efeito Estufa (GHGs) per capita que o campo. Então, deveríamos descartar precocemente muitas de nossas melhores máquinas para o desenvolvimento da vida humana na resposta de preparação de resiliência para os próximos eventos climáticos extremos? 

Modelgem em 4D (3D + tempo) permite criar obras urbanas capazes de amenizar enchentes e secas e deixar as cidades mais bonitas e agradáveis

 

 

Não podemos jogar fora o bebê, nossas cidades, com a água suja. É urgente fazer uma análise específica e diligente do que pode ser salvo tratando remoções, que infelizmente serão ocasionalmente necessárias, como última opção. São muitas as soluções de controle de enchentes que precisam ser aplicadas de maneira integrada, destacadamente estruturas multifuncionais de resiliência urbana como parques alagáveis, infraestruturas azuis e verdes (BGI), principalmente em áreas residenciais, canais, sistemas de drenagem conectados com áreas amortecedoras de água compostos de turfa cercadas por diques, localizados no caminho das águas, entendendo a topografia da região para redesenhar esse fluxo, e nas marginais de rios ao invés de marginais de asfalto, materiais porosos para aplicação urbana e a adição de áreas elevadas para moradia e equipamentos públicos (com a mesma terra, pedras e entulhos retirados para construção dos parques alagáveis e canais). Junto a estas soluções também devem ser integradas quando necessário sistemas hidráulicos duros como redes de bombas e estruturas subterrâneas de armazenamento e escoamento de água. 

Este sistema urbano que vem sendo desenvolvido pelos holandeses há séculos é hoje chamado de Waternet (Rede D’água). Foi ele que enfrentou e venceu nos países baixos, as enchentes que arrasaram a Alemanha e Bélgica nos eventos extremos de 2021. A mesma é presente de maneira similar na Dinamarca, e também em muitas cidades da China, onde foi estrategicamente reivindicada num esforço de estado desde 2014, com o nome de de “cidades esponjas”, conceito proposto pelo urbanista de mesma nacionalidade, Kongjian Yu, PhD em Harvard. Para se ter ideia da efetividade, importância e potencial de disseminação futura destas soluções de desenho urbano, onde arquitetos e urbanistas lideram engenheiros, o governo chinês ao reconhecer o valor dessa estratégia e fazendo uso da boa conceitualização de Yu, realiza a iniciativa estatal citada em duas frentes: (1)  na transformação de várias cidades suas nessa lógica e (2) numa esperta e massiva campanha de comunicação com intuito de disseminar a ideia de que a China é o berço dessa grande estratégia. Isso se dá por dois motivos, limpar a barra do país para construir Soft Power devido ao fato de que embora seja  o maior produtor de energia solar do mundo, a China é o maior emissor de GHG e o outro, devido a grande demanda atual e exponencial futura, é levar suas construtoras, urbanistas e engenheiros para ocupar o mercado trilionário, em dólares, de transformação urbana de cidades e estruturas por todo o mundo.

Durante as grandes chuvas dos extremos climáticos o maior risco para as pessoas são as chamadas Flash Floods (enchentes clarão ou “The Flash”  em tradução livre), que como diz o nome, ocorrem de maneira muito rápida depois da chuva começar. Desastres climáticos devido a eventos extremos com chuvas seguidas de Flash Floods têm ocorrido sistematicamente nos últimos 3 meses em pelo menos 5 continentes. Agora mesmo o Afeganistão e partes do Paquistão também estão debaixo d’água. Lembrando que ano passado as enchentes atingiram 80 milhões de pessoas só no Paquistão. O Quênia na África vem sofrendo há três semanas e continuará nessa situação até o final do mês. Na Indonésia, o alerta chegou tarde causando grandes perdas. No sul da China, estradas desabaram, na Rússia, o rio Ishim que também passa pelo Cazaquistão se encontra 11m acima do normal e o Texas, nos EUA, enfrenta enchentes pela primeira vez. 

A Crise Climática nos força a decidir prontamente que tipo de sociedade queremos ser. Na escala urbana essa decisão é sintetizada na questão das remoções. É preciso qualificar e atualizar essa discussão pois, infelizmente, existe um déficit de especialistas em resiliência urbana no Brasil e como sabemos quase sempre soluções fáceis estão longe de serem as corretas. O Urbanismo Climático oferece soluções que podem nos ajudar decisivamente, como a Waternet, Cidades Esponjas, reflorestamento urbano, cinturões verdes com reforços pontuais de materiais duros para áreas de encostas, entre outras. Uma das suas ferramentas mais avançadas, o Modelo 4D de simulação de cenários climáticos, permite  prever cenários de enchentes e deslizamentos com 95% de precisão metro a metro. Este pode ser utilizado para guiar prefeitos, governadores e o governo federal a decidir onde fortalecer a resiliência e onde em último caso remover pessoas evitando traumas e caos desnecessários. Esta tecnologia também é capaz de testar diferentes versões de projetos até encontrar o ponto ideal da intervenção projetada com viabilidade econômica. 

O Urbanismo Climático foi criado exatamente para isso, produzir controle climático para eventos extremos como por exemplo absorver água com a “esponja urbana” durante as chuvas e depois enxugá-la para uso da água na época de secas e ondas de calor, que o RS jajá enfrentará de novo no novo anormal do clima. Simultaneamente, também faz parte do Urbanismo Climático transformar nossas cidades e sociedade para se tornarem mais integradas com seus componentes oriundos do Urbanismo Social, usando esta crise como uma grande oportunidade de evolução urbana e civilizatória. Não podemos premiar alguns dos principais responsáveis pela catástrofe do RS, os construtores, especuladores imobiliários e políticos que agiram juntos para destruir legislações ambientais, ocupar áreas impróprias e fazer cidades segregadas, os empoderando e dando a oportunidade de lucrarem com a desgraça outra vez por meio da desnecessária reconstrução por completo de cidades e comunidades em outros territórios. Remoções, que dependendo de como forem feitas e para onde levarem as pessoas, podem apresentar todos os mesmos problemas que contribuíram à catástrofe atual.

Como expliquei no meu artigo “Urbanismo Climático para evitar o colapso”, publicado na Folha de São Paulo no dia 10/05/24, nossas ações devem ser pensadas e construídas com o objetivo de evitar o colapso sistêmico e civilizatório e não gerá-lo como certamente será no caso das remoções indiscriminadas. Com a liderança de um estado forte e que busca engajar a população, países desenvolvidos como a Holanda transformam suas cidades para se tornarem mais resilientes e só em último caso fazem remoções, países subdesenvolvidos removem sua população como primeira opção para longe dos centros urbanos como, infelizmente, vemos agora em Nairóbi no Quênia. Que país queremos ser, essa é a decisão. É hora de enfrentar a maior crise da nossa história e usá-la como oportunidade para finalmente fazer o nosso futuro no presente, realizando assim o Sonho Brasileiro. 

Pedro Henrique de Christo (urbanista climático, notório saber, professor visitante de desenho urbano no URBAM-Eafit Medellín, presidente do NAVE – Novo Acordo Verde, Dir. do Parque Sitiê e MPP’11 Harvard);

Assine nossa Newsletter

Nós Não Enviamos Spam!

    Parcerias

    aceleração

    You don't have permission to register