Antônio Pedro Tota
Uma das primeiras cenas de As Vinhas da Ira, filme de John Ford de 1940, é a solitária caminhada de Tom Joad (Henry Fonda) procurando a pequena propriedade da família. Em um determinado momento, conversando com o Casy, o amigo e pregador apóstata, a região começa a ser varrida por forte ventania. A câmara de Ford passeia pela terra ressequida e escurecida pela poeira. Esse fenômeno mais acentuado na região, cujo centro, no filme, era Oklahoma, ficou conhecido como Dust Bowl (tigela de poeira). Na verdade, atingiu toda a região central dos Estados Unidos: das Dakotas até vastas regiões do Texas. Quando não era o vento, eram as águas ou a geada que aceleravam a erosão daquele imenso território. O fenômeno era resultado de formação natural somada a muitos e muitos anos de exploração das terras pela colonização de pequenos sitiantes e também pelo crescimento das propriedades formadas pelo confisco de sítios de pequenos proprietários que não conseguiam pagar as dívidas de empréstimos para melhorar a produção do seu pequeno pedaço de terra. Os terrenos confiscados pelos bancos credores dos empréstimos tomados pelos “farmers” convertiam-se em gigantescas propriedades.
Tantos maus tratos tornaram as terras da região pouco produtivas. Como se não bastasse, os Estados Unidos mergulharam na conhecida crise econômica de 1929 que atingiu o país e boa parte do mundo. O número de pobres cresceu rapidamente e o governo do republicano Hoover não dava conta de resolver as causas do empobrecimento da maior parte da população. Muitos não acreditavam que a fome pudesse se alastrar pelo país mais rico e maior produtor de alimentos do mudo. Mas em Oklahoma, onde foi ambientado a primeira parte do filme, a pobreza mostrava sua cara com a formação de favelas. Aliás, mesmo em cidades ricas como Nova York, o famoso e luxuoso Central Park transformou-se em uma favela. Eram as chamadas hoovervilles, referência parodística ao presidente republicano Herbert Hoover.
Em novembro de 1932, as eleições presidenciais estavam em pleno andamento. Hoover concorria à reeleição e Franklin Delano Roosevelt,, popular governador de Nova York, conhecido pela ajuda aos pobres vítimas da recessão, foi o candidato preferido do partido Democrata. FDR, como ficou conhecido, ganhou a eleição por larga margem de votos. Ou, como se diz por aqui, ganhou de lavada. Era de uma família rica, mas não idolatrava o dinheiro como os novos ricos da gilded age. (marcada pela industrialização e desigualdade que explodiram a partir de 1870). FDR tinha 51 anos quando venceu a eleição e o fato de ser paraplégico (polielomite) só aumentava a sua popularidade.
Era preciso instilar num povo, outrora orgulhoso da sua riqueza, a esperança de que a América fosse capaz de se recuperar.
Franklin, criado em uma grande propriedade às margens do rio Hudson, tinha noção do que significava recuperar ou mesmo manter a terra em condições de produzir alimentos. Ele assumiu o governo de um país que estava com fome e sem trabalho
Ajudado por técnicos e políticos progressistas, formou comissões para tratar dos diversos problemas que pareciam sem solução
No discurso de posse FDR falou de um Estado forte. Milhões de pessoas ouviram pelo rádio e algumas milhares de pessoas acompanharam pessoalmente em frente ao Capitólio em Washington DC a mensagem que Roosevelt tinha a transmitir. Uma das partes mais conhecidas do discurso foi o pedido que ele fez para que o povo só sentisse medo do próprio medo. E esse pedido foi seguido por uma forma de aviso: “esse país precisa de ação. E é para já. E se for necessário pedirei ao Congresso poderes maiores para tratar do país como se ele estivesse sendo invadido por uma força estrangeira.” Alguns políticos reagiram positivamente; no entanto, outros reprovaram, vendo o discurso como uma provocação. Esse parecia ser o caso de Herbert Hoover, o presidente derrotado, sentado ao lado do novo presidente no automóvel que os levava para a cerimônia de posse no Capitólio.
Deu-se o nome de Os Cem Dias, ao período em que o programa político chamado New Deal começou a funcionar. Uma mistura de medidas radicais e algumas mais conservadoras. Para aplicar as diversas medidas, Roosevelt cercou-se de especialistas em todos os campos na sua nova política. Decretou feriado bancário para evitar a contínua sangria dos bancos. Legalizou bebidas alcoólicas (o fim da Lei Seca), apontou Frances Perkins para a Secretaria do Trabalho, a primeira mulher na história americana a ocupar um alto cargo no governo. Para a agricultura, indicou Henry Wallace, de Iowa, e Harold Hikes para a Secretaria do Interior. Foram esses dois que demonstraram que o governo poderia usar toda força de que dispunha para iniciar as reformas.
O plano mais audacioso de FDR foi a criação de uma força tarefa para plantar árvores e recuperar os solos numa faixa que ia do sul da Dakota até o norte do Texas em Abilene, aproximadamente a região conhecida como Great Plains. Com milhões de desempregados e sem um uma instituição que planejasse o melhor aproveitamento das terras e das águas, o presidente americano viu sentido em chamar, aos moldes militares, grupos de jovens desocupados nas cidades para trabalhar nas florestas e campos. Nascia assim, a Civilian Conservations Corps em 1934, inicialmente sob a orientação do coronel George C. Marshall, futuro chefe das Forças Armadas americanas.
Não faltaram críticas ao audacioso projeto de presidente. Ora, dizia um dos críticos, se Deus não foi hábil o suficiente para “fechar” o grande deserto que ia do Canadá ao Texas, era melhor Roosevelt desistir. A região cobre uma área de cerca de 3 milhões de quilômetros quadrados, foi em parte desertificada pela expansão de criação de gado e ovelha, outra causa das tempestades de areia.
Hoje, uma barreira de 200 milhões de árvores plantadas na década de 1930 pelo projeto Civilian Conservation Corps de Roosevelt “protege” parte significativa da terra que produz trigo nos EUA. No total, cerca de 3 milhões de jovens passaram pelo CCC. E esses jovens não só tratavam do solo, mas ajudavam a construir escolas e reconstruir casas em degradação.
Outra agência tão importante quando o CCC foi a WPA (Works Progress Administration) que atuou mais na área da cultura e para trabalhadores de cuidados, como médicos e dentistas. Quarenta mil artistas e escritores tiveram a oportunidade de expor seus trabalhos, com financiamento da WPA. Muitos edifícios públicos ganharam murais e esculturas. Mais de 6 mil músicos tocaram para mais de 2 milhões de pessoas ouvirem, 158 teatros apresentaram obras (tragédias, comédias e shows) para mais 30 milhões de pessoas.
Havia críticas. Alguns temiam que esse sistema pudesse militarizar a juventude americana. Mas muitos jovens quando entrevistados diziam que eles sentiam orgulho do governo e de seu trabalho.
Em novembro de 1936, Roosevelt visitou o Rio de Janeiro a caminho de Buenos Aires para a reunião pan-americana. Vargas ofereceu um jantar ao presidente americano, congelado numa famosa fotografia que mostra o clima de amizade que unia as duas maiores nações livres do continente americano. Roosevelt, hábil orador e político, lembrou que o primeiro contato maior dos EUA com o Brasil aconteceu durante a viagem de D. Pedro II, por ocasião do centenário da independência em 1876. Não se demorou muito no preâmbulo da fala. Foi direto ao recado que tinha guardado para Vargas. Disse que duas pessoas haviam inventado o New Deal: ele, o presidente dos Estados Unidos, e o presidente brasileiro, com o seu programa de reformas iniciado com a Revolução de 1930. No entanto, pareceu dar mais ênfase a um pedido que fez ao brasileiro: que Vargas evitasse a disseminação da cultura predatória que destruiu grande parte dos Estados Unidos, pedindo que o Brasil preservasse a sua natureza enquanto houvesse tempo. Embarcou para a Argentina com o objetivo de manter a união entre os países americanos. A Europa apontava claramente para uma próxima guerra mundial.
Pescando no Caribe, Roosevelt pensava nas possíveis estratégias para salvar Trinidad da ameaça da guerra. A região era muito visitada pelos eficientes u-boat da Alemanha Nazista. Por isso os passarinhos deram-lhe boas-vindas.
“FDR in Trinidad” (também conhecida como “Roosevelt in Trinidad”) é uma música no estilo calypso composta por Fritz McLean[1] e popularizada por Atilla the Hun (Raymond Quevedo) na comemoração da ida do presidente dos EUA, Franklin Delano Roosevelt‘s para a ilha de Trinidad em 1936.
Esta é uma versão de Ry Cooder do seu disco, Into the Purple Valley, de 1971.
Antonio Pedro Tota é historiador, autor do clássico livro sobre a ofensiva cultural dos Estados Unidos no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra, Companhia das Letras, entre muitos outros. É professor na PUC-SP