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Nós somos o clima

O 12o reitor da Unicamp e físico Marcelo Knobel resenha o livro Salvar o planeta começa no café da manhã

Marcelo Knobel

Nós somos o clima; salvar o planeta começa no café da manhã. Jonathan Safran Foer, Rocco 2020, Tradução: Maíra Mendes Galvão

Este livro foi um dos que mais me impactou dentre os que li recentemente. O autor já tinha deixado claro o seu lado ativista no livro de não ficção “Comer Animais”, onde faz uma defesa pelo veganismo
[1]. Neste livro, ele vai além. Argumenta e ressalta que a situação climática que vivemos é o resultado direto da vida humana no planeta Terra, e propõe uma solução radical: que a humanidade deixe de comer carne.

O livro traz uma série de dados e estatísticas com as quais o autor elabora um cenário que de fato é catastrófico, mesmo considerando os erros e as dificuldades em se ter números confiáveis. Ao mesmo tempo, tece uma complexa teia de histórias e argumentos para mostrar que a humanidade já enfrentou problemas difíceis e conseguiu realizar avanços impressionantes, com criatividade e liderança adequada. Assim, o texto vai construindo um mosaico de anedotas pessoais, histórias aparentemente desconexas, dados e projeções, que convergem para uma clara indicação de não basta diagnosticar o problema (apesar de isso ser fundamental), mas temos que encarar as mudanças climáticas de frente, e sugerir soluções práticas, por mais difíceis que sejam. O autor reconhece que é difícil mudar hábitos que nos são confortáveis, mas insiste que não podemos negar o agravamento da situação climática e que temos que de fato agir o mais rapidamente possível. Isso porque o texto é de 2019 e os recordes de temperaturas ainda não tinham ocorrido, nem os rios da Amazônia literalmente secando.

De fato, vivemos em tempos sem precedentes. Durante décadas, o mundo tem lutado contra imensos desafios como conflitos e violências, violação dos direitos humanos, deslocamentos populacionais, degradação ambiental alarmante e desigualdade em diferentes formas, só para citar alguns. Além disso, enfrentamos os desafios mais palpáveis, resultantes das alterações climáticas, os efeitos tardios da pandemia Covid-19, de guerras na Europa e no Oriente Médio, e de uma mudança gradual, mas muito perceptível, da democracia para o autoritarismo. Evidentemente, essas ameaças afetam diferentes países a diferentes graus de severidade, mas em todos eles são sempre os cidadãos mais pobres os que são mais atingidos.

Simultaneamente, estamos também assistindo um movimento forte e articulado com o objetivo de menosprezar ou mesmo de negar esses desafios, muitas vezes motivados por interesses espúrios. Este movimento ganha momento em uma sociedade inundada por um excesso de notícias vindas de fontes não verificadas, espalhando-se rapidamente por meio das redes sociais. As mentiras parecem viajar mais depressa do que a verdade, e muitas vezes é até difícil distinguir entre a realidade e as notícias falsas.

Embora a ciência, em geral, seja reconhecida pelo seu papel vital na abordagem dos grandes desafios que a humanidade enfrenta, agora e no futuro, isso é geralmente considerado como uma premissa (ao menos por nós, cientistas), e acho que não percebemos nem reconhecemos totalmente os perigos da atual onda de negação e autocracia que o mundo está vivendo. Todos observamos, quase silenciosamente, os ataques e cortes de recursos a que cientistas, artistas, intelectuais, universidades, organizações não governamentais e centros de pesquisa estão sujeitos. A voz da ciência, no que se refere à urgência de enfrentar os desafios globais é praticamente inaudível pela sociedade em geral. A falta de resposta enfática à desinformação científica e ambiental vai nos enfraquecer, relegando as nossas atividades à mera sobrevivência rumo ao desaparecimento por inanição, e a nossa atuação à confecção de moções e manifestos que apenas servirão para dizer, no futuro: “nós avisamos!”.

Essa inação é destacada com força no texto do Foer, na forma de uma verdadeira paulada para quase todos nós, com críticas pertinentes e incômodas, e com uma sagacidade peculiar. Destaco um trecho (p. 42):

“A verdade é que não me preocupo com a crise planetária – não em nível de crença. Faço esforço para superar meus limites emocionais: leio as notícias, assisto aos documentários, compareço às manifestações. Mas meus limites continuam lá. Se parece que estou protestando demais ou sendo crítico demais – como é que alguém pode se dizer indiferente ao tema de seu próprio livro? –, é porque você também superestimou seu comprometimento, ao mesmo tempo em que subestimou o que seria necessário fazer.

Em 2018, apesar de saber mais do que jamais soubemos sobre a mudança climática causada por humanos, nós produzimos mais gases de efeito estufa do que nunca, em uma escala três vezes maior do que a do crescimento populacional. Existem explicações convenientes – o uso crescente de carvão na China e na Índia, uma economia global forte, estações atipicamente severas que demandaram picos de energia para calefação e refrigeração. Mas a verdade é tão crua quanto óbvia: não nos importamos. E agora?”

Assim, precisamos agir, nos mobilizar, nos engajar neste momento crítico que estamos vivendo, no Brasil e no mundo. Precisamos, todos nós, participar ativamente nesta missão de ampliar a voz da ciência, buscar soluções e agir, para que possamos ter um futuro em um mundo habitável, com menos desigualdades e com mais harmonia. Nesse contexto de desordens de informação, fortes conflitos mundiais, e uma certa parcimônia e negação dos problemas prementes, o autor propõe que nossa alimentação deveria mudar completamente, e que nós, como sociedade civil, temos não só capacidade, mas a necessidade urgente de realizar essa mudança, por mais difícil que seja.

Concluo com outro trecho do livro:

“Não temos esse luxo de viver no nosso tempo. Não podemos cuidar da nossa vida como se ela fosse só nossa. … as vidas que vivemos criarão um futuro que não tem como ser desfeito” (p. 77) “As futuras gerações certamente vão olhar para trás e se perguntar onde nós estávamos, … onde estava o nosso senso de quem somos? Que decisões essa crise inspirou? Por que cargas d´água escolhemos nos suicidar e sacrificá-los?” (p.78).

Do mesmo autor, um dos meus autores favoritos, recomendo também “Tudo se Ilumina” e “Extremamente Alto e Incrivelmente Perto”,  neste caso romances ficcionais.

[1]Marcelo Knobel foi o 12º Reitor da Universidade de Campinas (Unicamp), no Brasil, onde é Professor Titular de Física. Ocupou outros cargos de liderança, entre eles: Diretor Executivo do Museu de Ciência Exploratória da Unicamp, Pró-Reitor de Graduação, Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Física e Diretor Executivo do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano). Knobel já publicou mais de 300 artigos científicos, além de diversos artigos de opinião em jornais e revistas nacionais e internacionais. É editor-chefe do Journal of Magnetism and Magnetic Materials (Elsevier). Knobel é um Eisenhower Fellow (2007), Fellow of the John Simon Guggenheim Memorial Foundation (2009) e Lemann Fellow (2015). É Membro do Conselho Deliberativo do Observatório Magna Charta. Ganhou o prêmio José Reis de Divulgação Científica (2019) e o prêmio CBMM de Ciência e Tecnologia (2022).

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