Clima S.A.
A nova economia – o que Nizan Guanaes, blockchain
e créditos de carbono têm em comum
Por Julio Lamas
Foi-se o tempo em que blockchain, criptomoedas e tokens era coisa exclusiva daquela sua amiga gótico-futurista ou daquele seu cunhado (inconveniente, mas querido) que tentava te empurrar investimentos suspeitos em coisas boas ou fáceis demais para serem verdade. O tema já chegou em gente como Nizan Guanaes, que não costuma entrar em furada, e para complicar mais um pouco encostou em outro tema complexo e promissor, o das mudanças climáticas. Já é possível comprar um código feito para garantir que um pedaço da floresta amazônica está sendo preservada. O código se chama blockchain e a floresta preservada passou a ser comercializada como crédito de carbono. E isso dá dinheiro.
Bem-vindo à terceira década do século 21. Se você esteve neste planeta com acesso à internet no último ano e meio, além da pandemia da Covid-19 e muitos vídeos em plataformas de streaming, viu um crescimento exponencial na quantidade de notícias relacionadas à valorização de ativos – financeiros ou não – conhecidos como tokens, baseados em tecnologias de blockchain, uma “corrente” de blocos de código criptografados gerados online (chamados hashes) que permitem a rastreabilidade do histórico de transações, envio e recebimento de dados e informações entre seus portadores.
Nas reportagens mais recentes, pode ter acompanhado que algumas obras de arte certificadas por NFTs – os “tokens não fungíveis”, na tradução da sigla em inglês – bateram recordes de preço em leilões e compra por colecionadores. Para ativos que, teoricamente não podem ser consumidos nem têm valor real, alguns estão custando mais que aqueles seus típicos e velhos Matisses ou Pollocks, a exemplo de uma obra digital gigantesca (21.069 x 21.069 pixels) do designer gráfico Beeple, vendida por mais de US$ 69 milhões pela Christie’s em março. É o terceiro maior valor pago pela obra de um artista vivo na história! E, do mesmo modo, uma pintura do Bansky, em estilo bem “banksyano”, foi queimada, digitalizada e atrelada a um NFT, custando agora três vezes mais que o original destruído.
Quanto aos tokens fungíveis, especialmente as criptomoedas mais populares, caso de Bitcoin (BTC), Dogecoin (DOGE) e Ethereum (ETH), como ficar alheio à sua valorização desde outubro de 2020? Com interesse cada vez maior por instituições tradicionais de Wall Street, como o JP Morgan e o Goldman Sachs, além do lobby de magnatas como Elon Musk, seus valores de mercado – historicamente voláteis – seguem em patamares altos. Até a redação desta coluna, 1 bitcoin equivalia a R$ 321.106,03.
Aliás, no Twitter, o CEO da Tesla simplesmente não cala a boca. Musk quer que você saiba que ele está no jogo, investindo pesadamente em blockchains e instigando especuladores. Estima-se que ele, sujeito que figura entre as duas ou três pessoas mais ricas do mundo, tenha colocado cerca de US$ 5 bilhões de sua fortuna pessoal em investimentos variados do tipo. Inclusive, um golpe com um perfil falso usando o nome dele foi dado, gerando prejuízos de até R$ 3 milhões para alguns.
O CUSTO CLIMÁTICO DO BLOCKCHAIN
Mas há uma contradição tenebrosa nos blockchains quando falamos em mudanças climáticas. As transações e mineração de criptomoedas, o processo pelo qual um token é premiado ao computador que solucionar uma série complexa de algoritmos “descobrindo” novos e valiosos blockchains, já são geradores prolíficos de emissões de CO₂. Apenas a mineração de Bitcoin, por exemplo, tem uma pegada de carbono anual equivalente a da Argentina ou da Nova Zelândia – 37 milhões de toneladas de CO₂ –, segundo o Cambridge Bitcoin Electricity Consumption Index, uma ferramenta da universidade britânica que monitora o alto consumo de energia necessário para a mineração da criptomoeda.
O processo de “mineração” é 100% virtual. Mas por exigir o funcionamento simultâneo de vários e poderosos processadores computacionais, como os utilizados para renderizar efeitos especiais dignos de filmes do Michael Bay, o Centro de Finanças Alternativas de Cambridge calcula que o consumo global de eletricidade pela mineração de ativos baseados em blockchain esteja entre 80 e 120 TWh (terawatts-hora) por ano. Aproximando tudo isso da nossa escala individual, imagine que por conta deste gasto de energia uma única transação de bitcoin hoje tem quase a mesma pegada de carbono que 680 mil transações financeiras via cartão Visa ou até seis anos assistindo vídeos no Youtube sem parar. É simplesmente muito tempo vendo Whindersson Nunes e Felipe Neto!
E a pegada de carbono já deixada tende a aumentar, uma vez que a mineração de criptomoedas é dada em quantidades finitas por token. Das 21 milhões de bitcoins disponíveis no mundo (há um limite), mais de 18,5 milhões já foram mineradas desde sua invenção em 2009. Logo, para minerar as restantes, o processo se torna cada vez mais complexo, o que faz os processadores trabalharem ainda mais e os fundos de investimentos e empresas, sob efeito do FOMO (Fear of Missing Out), ampliem suas estruturas de mineração. Por conta disso, entre 2018 e 2019, o uso de energia necessário para mineração quadruplicou no mundo, com efeitos no preço da eletricidade e de equipamentos. Neste sentido, e resumindo bem, um estudo de 2018 do Oak Ridge Institute calculou que U$ 1 em bitcoin consome 17 megajoules de energia, mais que o dobro de US$ 1 em commodities físicas como cobre, ouro e platina.
Pense só na ironia: um bilionário como Elon Musk, que fez fortuna desenvolvendo produtos e soluções que vão de encontro ao combate das mudanças climáticas, aposta em algo que ajuda a intensificá-las. Países como a China, que ao mesmo tempo é o maior poluidor/gerador de emissões e o maior fabricante de placas fotovoltaicas e baterias elétricas, também é o maior minerador de criptomoedas do mundo.
MAS TAMBÉM TEM BLOCKCHAIN PARA O BEM
De maneira não menos inovadora, no entanto, as tecnologias de blockchain também são aliadas da economia sustentável. “Nossa sociedade está em uma transição de uma economia industrial para uma definida por um novo conjunto de tecnologias. Entre a mais recente onda de digitalização, está o blockchain, uma tecnologia que muitos prometem redefinir a confiança, a transparência e a inclusão ao redor do mundo”, escreve em um artigo para a ONU Cathy Mulligan, pesquisadora da Imperial College e membro do Conselho de Blockchain do Fórum Econômico Mundial, que em 2018 apontou oito aplicações sustentáveis da tecnologia no combate às mudanças climáticas e a degradação ambiental.
Por aumentarem a capacidade de auditoria de ativos, uma vez que registram em si todo o histórico público de transações de dados e valores, e consolidarem processos mais precisos e confiáveis de due diligence, os blockchains têm sido utilizados nas mais diferentes cadeias produtivas para os mais diversos propósitos, desde uso responsável de água e solo na moda e na agropecuária até a logística menos impactante de produtos na aviação comercial, ajudando diretamente na diminuição de emissões de GEE e na mitigação das mudanças climáticas.
Por exemplo, é possível que empresas possam rastrear junto aos seus fornecedores, além dos fornecedores dos seus fornecedores, se os produtos que estão comprando e vendendo estão relacionados de qualquer forma a propriedades que promovem o aumento do desmatamento ilegal em ecossistemas vulneráveis, o que não é algo pequeno. Um estudo publicado na revista Science em julho passado aponta que, na Amazônia e no Cerrado, pelo menos 20% das exportações de soja e 17% das exportações de carne bovina para a União Europeia são provenientes dos 2% de propriedades gigantes responsáveis por 62% do desmatamento total no Brasil.
Os negócios e as nações – cada vez mais pressionados por investidores, consumidores, acordos internacionais e organizações, como o tradicional Dow Jones Sustainability Index e a nova Task Force on Climate-related Financial Disclosure – têm alta demanda pelas soluções baseadas em blockchain. Enfim, agora, mais do que nunca, é preciso falar e provar o que se faz contra as mudanças climáticas. Blockchain se posiciona para ser, como diz, “a prova dos 9”.
A JBS, a maior produtora de proteína animal do mundo, já faz isso com seu projeto Plataforma Verde JBS, que combina monitoramento por satélite, inteligência artificial e blockchain para identificar fornecedores desmatadores. Na Índia, o equivalente da Anvisa local atrela um blockchain ao monitoramento de regulações sanitárias e ambientais no seu abastecimento de alimentos. No Brasil, consultorias especializadas em blockchains para iniciativas de ESG (Environmental, social and corporate governance), a exemplo da Blockforce, ocupam novos espaços em um mercado de potencial trilionário.
E UM BLOCKCHAIN BRASILEIRO DISRUPTIVO NO MERCADO DE CRÉDITOS DE CARBONO
Todavia, uma das aplicações mais revolucionárias de blockchain até o momento contra as mudanças climáticas pode estar nascendo agora mesmo no nosso país, especificamente em uma indústria sustentável decisiva para o alcance das metas do Acordo de Paris: o mercado de créditos de carbono. E, aqui, entra o Nizan Guanaes (sim, chegamos no cara).
Bem, saiba você que o famoso publicitário e empresário é um dos sócios da Moss, uma startup de crescimento acelerado, fundada no ano passado e criadora do MCO2, um utility token (com propósito prático final) baseado na linguagem da criptomoeda Ethereum, cujo valor cheio equivale a uma tonelada de CO₂ compensada com verificação em uma área de 1,3 milhão de hectares preservados de floresta amazônica brasileira e peruana. “A Moss é uma climatech que conseguiu pôr o ovo em pé. Ela criou uma tecnologia capaz de usar a extraordinária força do mercado pra salvar a Amazônia e o planeta”, afirmou Nizan em seu LinkedIn, revelando um interesse crescente na empresa, que tem ainda Fabio Feldman e Roberto Klabin, fundador da SOS Mata Atlântica, em seu conselho consultivo. É provável que você, se trabalha diretamente com ESG, veja muitas referências sobre a Moss nos relatórios anuais corporativos que vão sair neste e no próximo ano. E, se gosta de futebol, verá seu nome associado ao Flamengo, clube que eles patrocinam.
Mas como salva, conforme afirma Nizan? Em resumo, o blockchain de utilidade da Moss assegura a compra direta e virtual por qualquer um (PJ ou PF) de um crédito de carbono auditado internacionalmente, ou seja, realmente correspondente a uma geração de carbono absorvida em uma área de proteção amazônica de mais de oito projetos parceiros. O dono desse token pode tanto compensá-lo logo após a compra na plataforma deles – o que é chamado de “burn” (queima ou neutralização) –, fazendo com que ele não exista mais para transações, ou negociá-lo em diversos pools de mercado onde a Moss está.
A partir de um lastro ambiental de 759 milhões de árvores, a Moss permite por meio de blockchain um acesso inédito, simples e democrático, ao mercado de créditos de carbono. “Uma unidade inteira de crédito de carbono é uma tonelada por um parâmetro das custódias globais, mas hoje, tanto no Mercado Bitcoin quanto em outros canais de distribuição onde estamos, você consegue comprar esse crédito fracionado. Assim, você consegue comprar um quilo via uma fração de um crédito de carbono tokenizado”, explica Alexandre Lomaski, Chief Product Office da Moss e um dos seus fundadores ao lado do CEO Luís Felipe Adaime. Para ele, além da sólida rastreabilidade, esta é outra grande vantagem do blockchain. “Então, se você tomar um cafezinho e seu cafezinho emitiu 0,0002 toneladas de gás carbônico na atmosfera para ser feito, você pode ir lá e comprar 0,0002 de token de crédito de carbono negociável, ir lá na plataforma da Moss neutralizar eles e compensar a poluição que este seu cafezinho criou. Imagina isso sem o controle organizado pela tokenização?”, conta ele. Não dá para imaginar, de fato.
Alguns outros fatos sobre a Moss justificam o entusiasmo inicial de gente como Nizan, Lomaski e companhia. O MCO2 conta com o maior estoque de créditos de carbono da história, cerca de 2 milhões de toneladas, que equivalem a um valor de mercado de US$ 36 milhões. E também tem auditoria de seus créditos e token feito por gente séria, a exemplo de UP Alliance, Armanino (E&Y) e o escritório internacional de advocacia Perkins Coie. Seu ICO (Oferta Inicial de Moeda, na tradução da sigla em inglês), foi realizado em fevereiro deste ano no Mercado Bitcoin e logo nas primeiras 24 horas de negociação se tornou o ativo com maior volume negociado de estreia na plataforma, cerca de R$ 10 milhões, e a maior quantidade histórica de créditos de carbono negociados no mercado voluntário.
Com menos de um ano de atividade, a operação da Moss já resultou em mais de R$ 53 milhões de reais para as áreas de conservação que apoiam. Segundo Lomaski, o objetivo de longo prazo é ampliá-las em efeito cascata com a inclusão de mais projetos e propriedades de floresta para a criação de um cinturão verde na Amazônia, a “Arábia Saudita dos créditos de carbono”, com potencial estimado de mercado de R$ 35 bilhões por ano. Este vai ser o impacto real da empresa na natureza. “Digamos que você tem uma área, e dentro dessa área tem 1 milhão de toneladas de CO₂ estocados dentro do seu bioma. Por um período de tempo, essa sua área ou projeto recebe o equivalente ao que ele tem de estoque de CO₂ em créditos de carbono, que são como ouro e petróleo e nunca expiram. Então, durante 30, 60, 90 anos ele vai poder comercializar esses créditos pelo nosso token e ganhar dinheiro por essa conservação. E as empresas e as pessoas poderão absorver as externalidades geradas pelos seus ciclos econômicos e, por sua vez, nós e nossos parceiros aumentamos nossos ativos ambientais para construir esse muro contra as mudanças climáticas”, esclarece ele, que tem, além de milhares de compradores pessoas físicas, clientes como C6 Bank, Avenue Securities e Gávea Investimentos no portfólio.
Não é exagero dizer que, talvez, a Moss tenha aberto um novo capítulo na história da economia, criando uma forma de precificar o carbono pelas lei de oferta e procura no mercado voluntário e, de quebra, fazer com que computadores e a internet trabalhem para manter a floresta em pé com lucros para quem faz isso. Custando até o fechamento deste texto R$ 90 por token, menos que o valor médio de R$ 300 de um crédito de carbono nos mercados regulados, o MCO2 vai crescer mais até o final 2021. Há planos para distribuição de mais de R$ 5 milhões de ativos mineráveis via plataforma Uniswap em um programa de geração de liquidez, o que é chamado de yield farming. Possivelmente, será a primeira mineração da história, de blockchain ou não, benéfica ao combate das mudanças climáticas.
*Julio Lamas é consultor e jornalista, cobre sustentabilidade desde 2012.